Praia, 23 jan (Lusa) – Música, gastronomia e muitas memórias marcaram hoje a primeira celebração em Cabo Verde do 23 de janeiro, data que marca o início da luta armada de libertação nacional da Guiné-Bissau, num encontro que demonstrou como ambos são “países irmãos”.
“Cabo Verde é um país irmão e o nosso propósito é resgatar a história, fazer com que a nossa nova geração conheça pelo menos as nossas duas identidades, consanguínea e virada para a luta armada de libertação nacional”, disse à agência Lusa o embaixador da Guiné-Bissau em Cabo Verde, Mbála Fernandes, promotor do encontro.
O diplomata recordou que o dia de hoje foi proclamado como Dia dos Combatentes da Liberdade da Pátria na Guiné-Bissau, mas, contudo, “não existe combatente na Guiné e nem em Cabo Verde, mas sim combatentes da liberdade da pátria da Guiné e de Cabo Verde”.
“Sabemos que em Cabo Verde temos gentes que deram a sua juventude pela causa da luta, alguns na mata, como grande parte dos combatentes recrutados e que fizeram o seu juramento em Cuba, a 17 de janeiro de 1967, como o comandante Pedro Pires, Silvino da Luz, Osvaldo Silva Lopes, Olívio Pires e uma senhora de nome Tutu”, disse.
Outros, prosseguiu, “saíram das universidades em Portugal e na diáspora para aderirem à luta. Outros fizeram a luta clandestina em Cabo Verde e outros escolheram Cabo Verde para viver, como Hugo Fernandes, um dos mentores da música moderna guineense”, presente no encontro de hoje.
Nas instalações da sede da Associação dos Combatentes da Liberdade da Pátria (ACOLP), na cidade da Praia, dezenas de guineenses e cabo-verdianos tocaram e ouviram música, dançaram e partilharam pratos típicos da Guiné-Bissau.
“Queremos brindar e homenagear estes ainda vivos para que possam sentir que, embora o sonho ainda esteja por realizar, chegou o dia em que podem partilhar e recordar um pouco o que foi a convivência da luta armada”, adiantou Mbála Fernandes.
O diplomata não tem dúvidas: “Só através de atividades como esta é que é possível reconstruir os dois países, os dois estados, e lembrar que, além de tudo o que se está a passar, somos dois países irmãos”.
Por seu lado, o presidente da ACOLP, Carlos Reis, sublinhou a importância de resgatar a história e recordar que hoje, apesar de se viverem tempos de tolerância e de paz, nem sempre foi assim.
“Houve tempos em que fomos governados por quem era intolerante e só conhecia a linguagem da força e nós, africanos, não tivemos outra alternativa além de nos organizar para legitimamente termos direito à autodefesa”, disse à agência Lusa.
Para Carlos Reis, “o 23 de janeiro significa o início do novo processo de resposta à posição de António Oliveira Salazar, quando este optou por uma resposta militar ao desafio dos movimentos de libertação nacional, em vez de responder às tentativas de conversação que foram feitas, nomeadamente por Amílcar Cabral, antes do início da luta armada”.
Sobre a celebração deste dia, que acontece pela primeira vez em Cabo Verde, o presidente da ACOLP afirmou que, nesse sentido, “é um ato singular”.
A resposta ao desafio do embaixador guineense, promotor do encontro, visou assim manifestar a solidariedade da associação “em relação a um povo que deu muito de si para que outras independências acontecessem e, nomeadamente, para que o 25 de Abril acontecesse em Portugal”, além das independências africanas.
“É uma oportunidade para lembrar a necessidade de estarmos juntos, além dos espaços da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e outros que poderão configurar como úteis. Temos tudo o que nos leva a estar juntos” e “enfrentar os desafios do futuro, que não são poucos”, acrescentou.
A 23 de janeiro de 1963, as ações de guerrilha na região de Tite, na Guiné-Bissau, marcaram o início da guerra pela independência.