Mulheres na política

O Jardim do Éden com a Queda do Homem por Jan Brueghel the Elder e Pieter Paul Rubens

O decurso do tempo também tem consequências interessantes. Se é verdade que quando passas na rua já ninguém te diz, como antigamente, que tu és uma verdadeira gazela porque as tuas formas ganharam algum arredondamento, quando olhas para o lado e vês filhos e netos sentes-te compensada de tudo. Como te sentes realizada ao veres os sonhos e as utopias que te mobilizaram toda a vida a transformarem-se em realidade. É o que me acontece quando olho para o avanço extraordinário que teve a luta pela emancipação da mulher, sobretudo na nossa sociedade ocidental. Será que alguma jovem sabe o que foi isso da dupla marginalização da mulher? Ou da dupla jornada de trabalho? Somente no domínio da investigação, já estou certa. Pois agora as mulheres estão aí, nas escolas e nos locais de trabalho, a ocuparem fatias cada vez mais significativas de ambas. Se até poetas elas se tornaram!!!!

Eu integrei um dos primeiros governos paritários de Cabo Verde e de África. Aliás, em nível mundial não são ainda muitos os países que se podem orgulhar de terem governos paritários. Noruega, Suécia, Dinamarca, claro, a Espanha e poucos mais. Mas eu tive a sorte de integrar um governo paritário e posso dizer que é verdadeiramente a cereja sobre o bolo no processo social de emancipação da mulher. Eu me conheci toda a vida a lutar por esta causa: desde os bancos da escola primária, onde eu declarei solenemente e premonitoriamente aos dez anos de idade que queria ser advogada, numa quarta classe onde ninguém ainda sabia o que queria ser “quando fosse grande”; quando fui para Portugal fazer o curso de Direito pela bagagem que me dava na luta pelos direitos, e fui activista dos direitos humanos, especialmente dos direitos da mulher; além do fato de que a esta causa dediquei alguns escritos, poesia, romance, ensaio; e por ela integrei organizações nacionais e internacionais. Exemplo forte dessa trajetória é o facto de ter ido trabalhar na véspera do parto do meu codé, só para demonstrar que a gravidez não prejudica carreira profissional da mulher. 

Muitas fizeram como eu e, acompanhando a história, passamos de uma geração de mulheres na família (a da minha mãe) para mulheres na família e na sociedade (a minha). Agora elas estão lá todas: meninas na escola a brilharem, jovens nos locais de trabalho, a produzirem e mulheres na política, a participarem. 

Há sectores onde os avanços foram quase miraculosos: Fui a primeira mulher a entrar na carreira da magistratura em Cabo Verde. Isto aconteceu há menos de trinta e cinco anos. Hoje cinquenta por cento da magistratura judicial cabo-verdiana é integrada por mulheres.

Não podemos, pois, duvidar que pelo menos parte significativa do planeta já cumpriu a magnífica profecia de Rimbaud de 1871 e que a mulher, livre da infinita escravidão tornou-se, também ela, poeta…, leia-se política.

fevereiro de 2012.

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Vera Duarte

Vera Valentina Benrós de Melo Duarte Lobo de Pina nasceu em Mindelo, S. Vicente, Cabo Verde. É Juíza Desembargadora, poeta e escritora, formada em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa. Membro das Academias Cabo-verdiana de Letras, de Ciências de Lisboa, Gloriense de Letras. Foi Ministra de Educação Ensino Superior, Presidente Comissão Nacional Direitos Humanos e Cidadania, Conselheira do Presidente da República e Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça. Integrou organizações como Centro Norte-Sul Conselho d`Europa, Comissão Internacional Juristas, Comissão Africana Direitos do Homem e Povos, Associação Mulheres Juristas e Federação Internacional de Mulheres de Carreira Jurídica. Recebeu várias condecorações É poeta e autora de vários romances.
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