Para bom entendedor, afinal meia palavra – ou até uma palavra inteira – pode não bastar. Por isso, e para que, explica ao Destak a linguista Helena Figueira, da Priberam, existisse «apenas um único documento oficial a regular a maneira de escrever o português, em vez de dois (até agora havia o Acordo Ortográfico de 1945 para Portugal e o Formulário Ortográfico de 1943 para o Brasil)», nasceu o já bem conhecido e não menos polémico Acordo Ortográfico.
Em vigor desde maio de 2009, a nova forma de grafia da língua portuguesa, que o Destak ainda não adotou, permite que os portugueses façam uma adaptação gradual. O que significa que até 2015 decorre o chamado período de transição, durante o qual ainda se pode usar a antiga forma de escrever. Ou seja, lecionar continua com os dois cês, excecional mantém o p e coleção pode continuar a apresentar um cê antes do cedilhado.
Aproximar-nos dos restantes países de língua oficial portuguesa, sobretudo do Brasil, é então o objetivo deste acordo. «O que não quer dizer, de maneira nenhuma, que deixe de haver diferenças na escrita entre o português de Portugal e o português do Brasil», confirma a especialista. O que acontece é que «passa a haver um único acordo ortográfico que admite essas diferenças ortográficas».
Mudanças globais
Ao todo, cerca de 1, 6% das palavras do português europeu deixam de escrever-se da mesma maneira. A estas juntam-se 0, 5% das palavras dos português do Brasil. Mas não é fácil determinar o número certo até porque, refere a especialista, «a língua está em constante evolução e todos os dias são criadas ou usadas palavras novas que poderão sofrer alterações. Depois, é preciso saber se estamos a falar de lemas ou de todas as flexões de uma palavra (não há alteração na palavra “ler”, mas numa das dezenas de formas da conjugação do verbo: “lêem” passa a “leem”). Em terceiro lugar, o texto do Acordo Ortográfico tem lacunas, omissões ou ambiguidades, o que tem permitido leituras diferentes na sua aplicação».
Escrever de duas maneiras
Apesar das mudanças, há palavras que mantêm a dupla grafia. O mesmo é dizer que continuam a escrever-se de forma diferente em Portugal e no Brasil. Segundo Helena Figueira, «as duplas grafias não surgiram agora, já havia casos de variantes ortográficas que correspondiam a duas grafias (cobarde/covarde, loiça/louça, rotura/ruptura)».
O mesmo se passa com as consoantes. Agora, com as novas mudanças, «algumas que não são pronunciadas pela maioria dos falantes vão desaparecer (por exemplo: “a(c)ção”, “ó(p)timo”)». Mas uma vez mais, como «há outras que são lidas por umas pessoas», a regra é flexível. Ou seja, a consoante mantém-se se for pronunciada e desaparece se não o for, como acontece com “característica” ou “caraterística”; “conceptual” ou “concetual”.
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De 23 passamos a ter 26 letras no alfabeto
Mudam as palavras e não só. Também o alfabeto português não escapa às alterações, ganhando três novas letras. «O k (capa), w (dâblio ou duplo vê) e y (ípsilon ou i grego) passam a fazer parte, oficialmente, do alfabeto português, que fica com 26 letras (em vez de 23)», confirma a linguista. No entanto, acrescenta a especialista, na prática não muda grande coisa, uma vez que «já usamos estas letras em derivados de nomes próprios estrangeiros (darwinismo, kafkiano), em unidades internacionais (watt), em abreviaturas e símbolos (kg) e em algumas palavras estrangeiras (ketchup).
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Dizer o mesmo usando palavras diferentes:
Antes | Depois
Janeiro | janeiro
accionar | acionar
adjectivo | adjetivo
inspector | inspetor
adopção | adoção
baptismo | batismo
lêem | leem
bóia | boia
pára | para
auto-estrada | autoestrada
hás-de | hás de
cor-de-laranja | cor de laranja
actor | ator
factura | fatura
radioactivo | radioativo
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Nem todos de acordo
Pouco pacífico, para não dizer mais, o novo Acordo Ortográfico tem suscitado opiniões divergentes. Muitos foram os que se opuseram à sua implementação, mas os argumentos apresentados não foram suficientes para evitar a sua aprovação. E implementação, que começou já este ano letivo nas escolas de todo o País. Desde petições a manifestos, assinados por milhares de pessoas, entre os quais ilustres conhecedores da língua nacional, como escritores, linguistas, políticos e até mesmo deputados, foram muitos os que salientaram as imprecisões, erros e ambiguidades que constam do documento. A petição chegou mesmo a ser tema de debate na Assembleia da República, apreciada pela Comissão de Ética, Sociedade e Cultura. No dia 25 de setembro de 2008, Vasco Graça Moura, Jorge Morais Barbosa, Maria Alzira Seixo e António Emiliano esgrimiram os argumentos, apresentaram documentos e disseram de sua justiça contra as mudanças então defendidas. Mas a petição acabou por ser arquivada com 113 206 assinaturas válidas, depois de todos os grupos parlamentares se terem pronunciado sobre ela.
A luta parecia ter chegado ao fim. Mas porque muitos são os que ainda não se conformam nasceu uma iniciativa legislativa de cidadãos – permite que grupos de eleitores possam apresentar projetos de lei e participar no procedimento legislativo a que deram origem -, que tem como objetivo apresentar à Assembleia da República uma proposta de revogação ou suspensão do acordo. Uma iniciativa que conta já com 118 787 apoiantes no Facebook (http://apps.facebook.com/causes/220084).
A esta juntam-se outras, como o Protesto de Estudantes contra o Acordo Ortográfico, até agora subscrito por 229 jovens
Carla Marina Mendes |