Praia, 25 jun (Lusa) – O principal desafio da inscrição da morna como Património da Humanidade é a harmonização de um estilo ‘world music’, mas também de tocatinas, segundo o antropólogo português Paulo Lima, que garante que a candidatura tem muitas hipóteses de sucesso.
O governo de Cabo Verde assumiu como prioridade submeter a candidatura da morna, o género musical mais emblemático do país, a Património Imaterial da organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura (UNESCO) até 31 de março de 2018 e vai contar com o apoio de Portugal neste processo.
Foi nesse contexto que Paulo Lima, especialista na elaboração de processos de candidatura a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO, esteve em Cabo Verde numa missão de assessoria técnica de apoio à instrução da candidatura, que terminou sexta-feira.
Em entrevista à agência Lusa, Paulo Lima, que esteve envolvido nas candidaturas portuguesas ganhadoras do fado, cante alentejano e arte do chocalho, sublinhou os pontos fortes do processo da morna.
“A morna reúne todas as hipóteses para ser inscrita enquanto género musical na lista do património imaterial. Tem vários pontos fortes: é identitária, tem uma forte expressão na cultura cabo-verdiana, serve como elemento de ligação entre os cabo-verdianos que estão em Cabo Verde e os que estão na diáspora. É uma prática musical que se transforma e reconstrói. Absorve e está em contínua mutação, mas há sempre uma identificação entre a cultura cabo-verdiana e este género musical”, considerou.
A missão do também investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa insere-se no âmbito do Programa Estratégico de Cooperação (PEC) 2017-2020 de Portugal com Cabo Verde, de que a cultura é uma das áreas prioritárias.
Durante os dias que passou em Cabo Verde, o antropólogo esteve a trabalhar com a equipa do Instituto do Património Cultural (IPC) responsável pela candidatura, a quem procurou transmitir a sua experiência prática nesta área.
“Um dos desafios deste dossiê é tentar harmonizar uma vertente dentro do mercado com outra que é uma vertente mais tradicional, mais popular e mais lúdica. É nesta articulação entre um género musical que está no ‘world music’ e depois também funciona nas tocatinas que tem que ser o cruzamento e o cozinhar [da candidatura] “, disse.
Sublinhando a importância de, durante a elaboração da candidatura, ser colocado o foco no “ponto de vista técnico científico”, Paulo Lima assinalou também a necessidade de uma “estratégia concertada da promoção” em particular durante o período entre a entrega da candidatura e a decisão.
“Até este momento, a morna é conhecida internacionalmente. A partir do momento em que é absorvida pela UNESCO numa lista, torna-se global mundial. Durante os 22 meses que decorrem entre a entrega da candidatura e a decisão é um momento importante de promoção e depois são os cinco ou seis meses a seguir à inscrição. E aí deve haver uma estratégia de promoção em torno da morna e de Cabo Verde”, disse.
E no contexto da promoção, a ligação de Cesária Évora à morna surge como incontornável, tal como o nome de Amália Rodrigues quando se fala de fado.
“É muito interessante tentar ver e fazer alguma relação entre o papel que a Amália teve, a partir de meados do século XX, em relação ao fado e da Cesária Évora, a partir dos anos 80, para a morna. Acabam por ser, com contextos diferentes, coisas muito próximas”, considerou Paulo Lima.
O antropólogo português deverá regressar a Cabo Verde depois do verão para continuar a acompanhar os trabalhos da candidatura que, se tudo correr como previsto, deverá ser entregue até 31 de março de 2018, devendo a decisão ser conhecida em dezembro de 2019.
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Foto extraída de: http://tradisom.blogspot.pt/p/morna.html