Maputo, 23 mar 2024 (Lusa) – O músico e bailarino Sumalgy Nuro mistura, em palco, a dança contemporânea às tradicionais moçambicanas para dar corpo à peça “Ngante” (Sangue), que visa alertar o mundo sobre “o tormento” que há seis anos assola Cabo Delgado.
“Cabo Delgado aparece como um tormento para os moçambicanos e a peça Ngante [Sangue, em língua moçambicana Xichangana] aparece como um grito. Como artista, acho que é a minha responsabilidade trazer estes temas para reflexão”, explica à Lusa Sumalgy Nuro, 30 anos, 18 dos quais dedicados à dança e à música.
São quase 40 minutos de um espetáculo a solo, uma viagem de “composição em tempo real” em que o jovem bailarino recupera elementos das danças tradicionais moçambicanas “mapico”, do norte, e Xigubo, do sul do país, cruzando-as com a dança contemporânea.
“Exploro o mapico, que é uma dança de Cabo Delgado, e, em alguns momentos, aparecem elementos do Xigubo, que é a dança dos guerreiros no sul”, descreve o artista.
A performance, que inclui projeção de foto e vídeo, é descrita por Sumalgy Nuro como “pesada”, já que procura mostrar o drama real de quem sofre perante a “barbárie” de uma “guerra esquecida” pela sociedade.
“Continuamos esquecidos e esta é uma forma de relembrar as pessoas que, neste momento, há genocídios em Cabo Delgado”, frisa o artista, lembrando que a peça foi montada em 2020, antes mesmo da mediatização do conflito com o ataque ao distrito de Palma, em 24 de março de 2021.
“Foi como uma premonição”, refere Sumalgy Nuro, acrescentando que a peça também serviu como base para a sua formação na Cidade do Cabo, África do Sul.
Hoje, com a primeira apresentação em público feita no espaço cultural 16 Neto, em Maputo, a ambição é levar este grito de socorro para novos palcos, sobretudo internacionais.
“O assunto sangue, as matanças, não acontecem só em Moçambique. Então, gostava mesmo de lavar esta peça também para fora do país”, conclui o artista.
A província de Cabo Delgado enfrenta há seis anos uma insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico, que levou a uma resposta militar desde julho de 2021, com apoio do Ruanda e da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos de gás.
O conflito já fez um milhão de deslocados, segundo dados das agências das Nações Unidas, e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.
Além das forças governamentais moçambicanas, combatem a insurgência em Cabo Delgado as tropas do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), no perímetro da área de implantação dos projetos de gás natural da bacia do Rovuma.
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