A sala 109 do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (Ufba), guarda um precioso tesouro para os linguistas. No pequeno espaço de 6m², estão acondicionados milhares de CDs com gravações que revelam as formas de falar dos brasileiros, coletadas para a confecção do Atlas Linguístico do Brasil (AliB).
Resultado de pesquisas que já duram 15 anos, realizadas em 27 estados brasileiros sob a coordenação de professores do Instituto de Letras, o projeto entra agora em sua fase final: em 2012 será lançado o primeiro volume do AliB. Ele apresentará diferenças fônicas, morfossintáticas e léxico-semânticas do português falado nas capitais brasileiras. Cerca de 86% da coleta já foi realizada – dos 250 municípios escolhidos para compor o mapa, apenas 35 faltam ser visitados.
De acordo com a professora Jacyra Mota, diretora executiva do projeto AliB, a idéia de um atlas linguístico nacional surgiu em 1952, por um decreto do presidente Getúlio Vargas, que atribuiu à Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, a tarefa da criação de um atlas nos moldes dos existentes na França de 1902 e de Portugal (1932). “Com as dificuldades surgidas no mapeamento nacional, o projeto foi regionalizado. Dessa forma, surgiu na Bahia, em 1963, o primeiro registro linguístico brasileiro, o Atlas Prévio dos Falares Baianos”, explica Jacyra.
Jacyra Mota: “o primeiro registro linguístico brasileiro aconteceu na Bahia, em 1963, com o Atlas Prévio dos Falares Baianos” |
Somente em 1996, o projeto inicial foi retomado, durante o Seminário Nacional Caminhos e Perspectivas para a Geolinguística no Brasil, realizado em Salvador, na Universidade Federal da Bahia. Inicialmente, dez universidades participaram do projeto, passando para 16 a partir de 2002, sendo duas particulares.
Para realizar a coleta de dados, o mapa do Brasil foi dividido em cinco regiões geolinguísticas (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro Oeste), subdivididas em 250 municípios por critérios demográficos, históricos e culturais. Os pesquisadores vão a essas localidades e selecionam pessoas que tenham nascido na região, de ambos os sexos e com idades de 18 a 30 e 50 a 65 anos. Estes devem ser alfabetizados, mas que tenham estudado, no máximo, até a 4º série do ensino fundamental – nas capitais são incluídos quatro informantes de nível universitário.
Os critérios, segundo a professora Jacyra Mota, servem para coletar informações “com pouca influência das “correções” adquiridas na escola”, no caso dos municípios do interior, e, nas capitais, “a idéia é fazer um confronto, ver até que ponto a fala de um tem características que não existem na fala do outro”.
O mapa do Brasil foi dividido em cinco regiões geolinguísticas. Critérios demográficos, históricos e culturais são considerados |
Munidos com gravadores, os pesquisadores apresentam questionários com descrições de objetos e situações, registrando como o entrevistado nomeia os mesmos. Em média, as entrevistas pessoais duram duas horas e meia, mas há casos em que as entrevistas ultrapassam quatro horas.
O questionário é divido em fonéticofonológico (QFF), com 159 perguntas: semântico-lexical (QSL), com 202 perguntas; morfossintático (QSM), com 49 perguntas; além de questões de prosódia e de pragmática, de temas para discursos semidirigidos, questões de metalinguísticas e um texto para leitura. Depois de coletadas, as gravações são enviadas para a sede do AliB, no Instituto de Letras, onde duas equipes de pesquisadores – uma responsável apenas pelo questionário QFF – fazem as transcrições dos arquivos sonoros. Esses dados são cruzados dando origem a novas pesquisas.
“Os primeiros trabalhos já estão sendo feitos, já há algumas publicações, alguns artigos, só que ainda não há algo geral sobre o país inteiro”, afirma a professora Jacyra, que prossegue citando o trabalho de um bolsista: “tem um aluno que terminou uma dissertação de mestrado sobre o ‘s’ aspirado na região nordeste, onde se fala mesmo ou ‘mermo’. E continua, “ o estudo do ‘s’ palatizado, o ‘xis’ do carioca, está quase acabado, só falta burilar”.
Transcrições dos arquivos sonoros no Instituto de Letras da Ufba |
Embora, de acordo com o cronograma, o AliB já possua quase 90% de seus trabalhos concluídos, seus responsáveis não arriscam uma data para a conclusão do projeto. Os motivos apresentados pela presidente do Comitê Nacional do AliB, Suzana Cardoso, são os custos de financiamento da pesquisa e a dificuldade de acesso a algumas localidades. “Hoje, duas das pesquisadoras do nosso grupo no Brasil e duas professoras da Universidade de Londrina, estão no Amazonas fazendo os registros de Tefé, São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga. Basta olhar no mapa para se ter a idéia das dificuldades a serem vencidas”, conclui. *Estudande de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom
Fonte: Ciência e Cultura – Agência de Notícias em Ciência, Tecnologia e Inovação da Bahia
Recolhido em Linguagens de João Jorge Pereira dos Reis