Da região serrana de Ferreira do Zêzere, centenas de emigrantes, todos com ligações à terra, aventuraram-se ou responderam à chamada de familiares que já se tinha fixado na ilha e comprado ou alugado terras para a produção de cacau, e também de café, banana, ananás. Como em São Tomé, também situada no Golfo da Guiné e então colónia portuguesa.“Uns puxavam os outros…”, diz Olímpio Santos, 82 anos, natural de Escudeiros, Cernache do Bonjardim. Mantém um olhar arguto, uma postura de bonomia, enquanto revê com um sorriso nostálgico fotos a preto e branco da roça onde trabalhou com os irmãos, junto a um sobrinho nascido na ilha.Desta região do interior português alguns tinham já partido, muito ou pouco abastados, para Fernando Pó entre finais do século XIX e início do século XX. Aos 16 anos, Olímpio recebe uma “carta de chamada” de António, o irmão mais velho que já era proprietário de 80 hectares numa roça de cacau.Mas a maioria deste terreno fértil era arrendado aos agricultores espanhóis e portugueses pelos bubi, a etnia local da ilha. António tinha alugado outros 100 hectares na ilha montanhosa e verdejante, onde “tudo crescia da terra”, e nos finais da década de 1940 convoca os familiares mais próximos.Bioko foi avistada pela primeira vez pelo navegador português Fernão do Pó em 1472 e que a batizou de “Flor Formosa”, mas será cedida a Espanha em 1777 por troca com terrenos no anterior brasileiro, em plena Amazónia.Na primeira metade do século XX são estabelecidas grandes plantações de cacau, e na sequência da independência, concedida por Madrid em agosto 1968, sobe ao poder no mês seguinte Francisco Macías Nguema, que instaura uma ditadura.Em 1979, Francisco Macías é derrubado pelo seu sobrinho Teodoro Obiang Nguema, e fuzilado. No poder há mais de 35 anos, Obiang garantiu em julho a adesão plena do seu país, hoje um importante produtor de petróleo e gás natural, à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, durante a cimeira de Díli.Mas quando Olímpio desembarca 18 anos antes em Santa Isabel, então o nome da capital, ainda se depara com um típico cenário colonial: “Quando cheguei havia apartheid, havia o café do preto e o do branco. Um branco que fosse encontrado com uma preta era logo expulso da ilha. Mas depois, juntou-se tudo, foi uma salada russa”.De imediato assume o cargo de encarregado da roça, tem a seu cargo 100 trabalhadores vindos da Nigéria – então colónia britânica –, o grosso da mão-de-obra imigrante local e com contratos anuais.Nas propriedades de António, onde também se fixou Agostinho, o irmão mais novo, adaptam-se progressivamente a um clima tropical de elevada humidade, defendem-se da malária e tornam-se adultos. “Cheguei lá com uma mala de cartão… Comecei a ganhar 500 pesetas por mês, com cama, mesa e roupa lavada. Depois foi aumentando. A minha responsabilidade era levar os serviçais para a roça e orientá-los”.Os jovens colonos lusos adaptam-se à língua oficial, o espanhol, que era utilizada em todos os trâmites burocráticos numa ilha onde se estabeleceram “no mínimo sete a oito mil espanhóis e portugueses”, a larga maioria da população europeia. Mas outros cálculos admitem cerca de 50.000 colonos brancos no apogeu da emigração.Com os nigerianos, e ainda com os “braceiros” também vindos de perto, dos Camarões, comunicavam em “inglês da costa”, como diz, popularizado por “pichie english”, um inglês arrevesado, porque o grosso da mão-de obra vinha destas duas colónias. Os camaroneses eram em geral provenientes da zona britânica desta antiga possessão, que a França controlava quase totalmente.Também havia “braceiros” são-tomenses e cabo-verdianos, mas em número reduzido. Com estes, exprimiam-se em português.O esforço compensava porque as explorações “davam um bocadinho de lucro”. Os frutos tropicais eram exportados para Inglaterra, Holanda, mas o grosso da produção de cacau, a mais rentável, era canalizado para Espanha.“Comercializávamos através do banco, que nos dava um plafond e depois entregávamos o cacau até ao final do ano para saldar esse plafond… Aquilo dava antes da independência, depois pifou”, lamenta. “A casa chegou a produzir 350 toneladas [de cacau] por ano!”.A relação com os “braceiros” ou “serviçais”, na maioria nigerianos, implicava “ordem e disciplina”, garante Olímpio, que também elogia a capacidade de trabalho que demonstravam. O seu instrumento era a catana.“Estavam sempre armados com a catana, a sua arma era a catana. Noutras roças ficou lá muito branco sem o pescoço, sem braços, na nossa nunca houve esses problemas”, assinala.”Parte das roças eram dispersas, muitas afastadas da casa do proprietário. Na nossa, era tudo junto”, precisa ainda. E resposta aos protestos ou rebeliões nas roças também variava, consoante a sua gravidade, e adotavam-se medidas preventivas: “A gente que revolucionava a malta, tínhamos de pô-lo logo de parte”.Os “braceiros” Ganhavam pouco, o salário em pesetas entregue no fim do mês. Todos os sábados à tarde eram convocados para receberem um sustento alimentar semanal fornecido pelo patrão, bacalhau “verde” corrente, arroz, óleo de palma, sal, por vezes batata-doce.À noite, com os trabalhadores já recolhidos, os agricultores brancos reuniam-se com as famílias, com os vizinhos, e no final de década de 1960 já se entretinham com a televisão espanhola.Todos os anos, a comunidade portuguesa da ilha organizava a sua festa, para celebrar o 13 de maio. Missa, procissão, e depois a refeição que se prolongava por toda a tarde. “Tínhamos a confraria da Senhora de Fátima. Fazia-se uma festa, um convívio”.Depois veio a independência e o êxodo progressivo da generalidade da população branca, quando Portugal ainda mantinha três frentes de guerra em África.Pouco após a independência da Guiné Equatorial, Olímpio decidiu regressar em definitivo ao local onde nasceu. Casou, e adquiriu terras. Aos 82 anos, ainda trabalha diariamente nas suas propriedades em Cernache e recorda por vezes esses tempos longínquos. Mas evitou regressar a Fernando Pó.“Em parte tenho saudades, mas passou-se a mocidade escandalosamente. Mas nunca tive o desejo de voltar, o que vou lá fazer?”
PCR // PJA – Lusa/Fim
Praia Aleña, Ilha de Bioko