Publicar em inglês é, sem dúvida, uma das condições da internacionalização da investigação. Contudo, seria um erro reduzir a produção e a circulação de conhecimento científico a uma única língua veicular. Também o latim o foi durante séculos, acabando destronado pelo uso do vernáculo. Não há razão para crer que os processos históricos de hegemonia e contra-hegemonia de tal ou tal língua na comunicação científica estejam encerrados. Pelo contrário, é plausível que a atual “correlação de forças” se altere num futuro mais ou menos próximo.
Além disso, em domínios como os das ciências sociais, artes e humanidades, não se pode fazer tábua rasa do que se publica noutras línguas. O alemão, por exemplo, é uma língua internacional de referência. O mesmo poderia ser dito do francês. Mas também o espanhol e o português são duas das línguas europeias mais globalizadas: pelos numerosos países que as adotam como línguas oficiais, pela sua expansão através comunidades espalhadas pelo mundo, pelos múltiplos departamentos de estudos portugueses e espanhóis em universidades europeias, norte-americanas ou asiáticas. Publicar em português ou em espanhol é publicar em línguas internacionais, que ainda por cima se potenciam mutuamente (pode-se falar duma comunidade científica bilingue no acesso à informação, na produção de conhecimento, em várias dimensões de cooperação e intercâmbio).
Neste sentido – e ao contrário do que alguns pretendem – Portugal não é comparável a qualquer dito “pequeno país” europeu, como a Eslovénia ou mesmo a Holanda, cujas publicações científicas têm um diminuto impacte se não forem vertidas em inglês, e cujas universidades procuram alargar a sua oferta de cursos em língua inglesa para atrair estudantes estrangeiros.
Na verdade, não falta irradiação internacional ao português e ao espanhol, mormente nos referidos domínios científicos. Essa irradiação de ambas as línguas é inseparável da riqueza multifacetada das culturas de que são expressão e que as torna tão atrativas para estudiosos de todo o mundo. O intercâmbio universitário e científico no espaço lusófono e ibero-americano bem como o número daqueles que aprendem português e/ou espanhol para aí estudar ou investigar tem crescido enormemente. Tal como nas universidades francesas ou alemãs, também nas universidades portuguesas e espanholas o ensino e a investigação nas respetivas línguas nacionais não pode ser considerado um obstáculo à internacionalização. Antes pelo contrário: mergulhar numa cultura e comunicar cientificamente na sua língua sempre fez parte dos processos de internacionalização na formação superior, a benefício de todos os interlocutores e do desenvolvimento científico. Tanto mais tratando-se de línguas fortemente globalizadas.
Infelizmente, os instrumentos de bibliometria científica não refletem esse diálogo entre comunidades linguísticas, mas sim a hegemonia absoluta da língua inglesa. O modelo das ciências da natureza é generalizado acriticamente a todos os ramos da ciência. Para contrabalançar essa dupla hegemonia, impõe-se a criação urgente de instrumentos bibliométricos alternativos – de preferência, comuns às publicações em línguas portuguesa e espanhola.
Designadamente em Portugal, uma política científica com visão estratégica não pode deixar de considerar prioritária a valorização do português como língua científica internacional. Surpreendentemente, porém, a FCT descarta-o, e só considera de impacte “internacional” o que não é publicado em português. Como se se quisesse aplicar a Portugal o regime da Eslovénia ou da Finlândia onde todos têm de usar o inglês para ser lidos e citados além-fronteiras…
Mário Vieira de Carvalho, Professor Catedrático Jubilado (FCSH-UNL)
Fonte: Público