Língua portuguesa: contrastes e balanços

No ano de 2014 continua ainda muito por fazer quanto a um ensino que promova adequadamente o português para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo –  é a conclusão das observações de Ana Sousa Martins numa crónica transmitida em finais de 2013 no programa Páginas de Português (Antena 2).

Numa altura de fim de ano, em que é comum fazerem-se balanços, vale a pena olhar para o que se diz e o que se faz (ou não se faz) pelo ensino da língua portuguesa no mundo.

Antes e depois da II Conferência Internacional sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial, que decorreu no final de outubro deste ano de 2013, os títulos das notícias sobre a conferência patenteavam uma euforia surpreendente e, no fundo, plasmavam as declarações recolhidas.

Ana Paula Laborinho, presidente do Instituto Camões, declarava que o português é a 5.ª língua mais usada na Internet, quando em 2012,  António Branco, da [Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa], que tinha participado num estudo europeu sobre  tecnologia da linguagem afirmava que o desenvolvimento da tecnologia da linguagem para a língua portuguesa apresenta um nível muito baixo, ou mesmo nulo.

O professor Carlos Ascenção André, da Universidade de Coimbra, afirmava que na China há 28 instituições de ensino superior onde 1350 estudantes aprendem português, mas reconhecia também que 65% dos professores de português são chineses e têm problemas em falar a língua.

José Paulo Esperança, coordenador do estudo do ISCTE sobre o valor da língua portuguesa em em 2008, afirmava que o valor apurado, 17%  do PIB, se mantém atual. No entanto, em 2008 também,  Carlos Reis advertia que existe uma grande disparidade entre o universo falante de português e a efetiva influência internacional da língua portuguesa – e esta realidade também se mantém atual.

O grau de vagueza das recomendações listadas no final deste congresso também não augura nada de bom.

E no entanto, o que falta fazer está bem à vista:

– faltam recursos digitais em abundância disponibilizados na Web de aprendizagem do Português Língua Estrangeira (PLE);

– áudios, vídeos e exercícios interativos, apresentados de modo estruturado e graduado, que visem diferentes perfis de aprendentes;

– Faltam coleções de livros adaptados para leitura extensiva em PLE;

– Faltam publicações abundantes de exames internacionais de avaliação de proficiência em Português;

– Falta um plano curricular integrador de todas as variedades do português, que fixe os níveis de proficiência para o português e apresente de modo sistemático e exaustivo os pressupostos necessários para determinar os objetivos e conteúdos de aprendizagem e assim ser uma referência de trabalho comum para os professores de português em todo o mundo.

Não está aqui em causa ser otimista ou pessimista em relação ao futuro da língua portuguesa. O que quero é fazer notar que os otimismos esfusiantes têm o efeito pernicioso de deixar estar tudo como está. E o que está não está bem.

Ana Martins*

Ana Martins é linguista, consultora do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, responsável da Ciberescola da Língua Portuguesa. Autora de A Textualização da Viagem: Relato vs. Enunciação, Uma Abordagem Enunciativa (2010), Gramática Aplicada – Língua Portuguesa – 3.º Ciclo do Ensino Básico (2011) e de versões adaptadas de clássicos da literatura portuguesa para aprendentes de Português-Língua Estrangeira.

Fonte: Ciberdúvidas

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