No Mercado Vermelho, o mais icónico de Macau, a língua chinesa é rainha, mas ainda há quem recorra ao português para atrair clientes.
Há mais de 30 anos que a vendedora tem o seu negócio no mercado – um dos mais antigos da cidade, estabelecido em 1936, e o único classificado como património cultural de Macau.
O seu português, que hoje não vai muito além dos nomes dos legumes e dos preços, aprendeu-o em aulas noturnas, que frequentou antes da transferência de administração, quando, aos vinte e poucos anos, se mudou de Zhongshan, na China, para Macau.
“Tinha de aprender português porque contactava com os portugueses que iam fazer compras. Se não aprendesse era difícil”, explica, com o auxílio de um tradutor. “Falo um bocadinho, mas não falo muito bem”, desculpa-se.
Antes de 1999, os clientes que dominavam o idioma eram “muitos”, mas agora são só “dois ou três”. Ainda assim, denota uma nova tendência: Depois da transferência “muitos portugueses foram para Portugal. Mas agora é diferente, agora muitos vivem em Macau”.
Ao contrário do que acontecia no passado, já “surgem alguns portugueses que pedem os legumes em chinês”, apesar de maioritariamente serem “portugueses de lá casados com macaenses”. “Mas também há muitos portugueses que chegam a Macau e não querem falar chinês”, lamenta.
O negócio de família já correu melhor, diz, culpando o aumento do custo de vida que faz com que o rendimento, de mais de 20.000 patacas (cerca de 2.000 euros), “não dê para nada”.
Os preços dos legumes também subiram significativamente desde 1999, admite, com destaque para as batatas e hortaliças. “A hortaliça custava duas ou três patacas [20 ou 30 cêntimos], agora custa 16 ou 18 patacas o cate [1, 6 ou 1, 8 euros por 600 gramas]”, conta.
No andar de cima do mercado, na zona do peixe, fica a banca de Leong Chi Pong. Não há rosto ocidental que o vendedor de 59 anos deixe passar sem tentar a sorte. “Amigo, quer peixe?”, diz, em jeito de cumprimento.
Foi também de Zhongshan que veio, há mais de 30 anos, para Macau, com 26 anos. “Tinha de trabalhar, por isso vim vender peixe”, resume.
O idioma aprendeu-o com os clientes. “Os portugueses vinham comprar, precisavam de sardinhas ou perguntavam ‘Tem salmão?’. Foi assim que aprendi”, conta.
O português pode falhar em conversas mais gerais, mas no que toca ao pescado Leong Chi Pong não erra uma. “Salmão, corvina, lula, choco, polvo, cabeça, filete”, enumera, sorridente, emoldurado pelos icónicos candeeiros vermelhos, típicos dos mercados chineses, que pendem sobre a sua banca.
Os clientes portugueses habituais já não são tantos como antes, apenas “três ou quatro”, mas conhece-os pelo nome, como “o Manel e o Branco”. São também seus clientes os ?chefs’ do restaurante do Instituto de Formação Turística.
Satisfeito com a profissão que escolheu, explica como usa ainda o pouco português que domina para ensinar aos clientes a confecionar os produtos. “Assado, caldeirada, forno”, exemplifica.
Lamenta que hoje haja menos portugueses a visitar o mercado, em comparação com os que havia há 15 anos. “Os portugueses têm mais o hábito do convívio quando compram, conversam mais, têm mais amizade”, comenta.
Também na sua secção os preços têm subido “muito”, o que gera reclamações. “De vez em quando as pessoas queixam-se. Dizem «Vende tão caro’, mas não é minha culpa, é do fornecedor”, justifica, tentando por uma última vez perguntar “Não quer peixe?”.
ISG// PJA – Lusa/fim
Fotos:
– Ana Wong, de 56 anos é vendedora de legumes no Mercado Vermelho e é uma das poucas que ainda fala algumas palavras de português, especiamente nomes dos legumes, que aprendeu no tempo da administração portuguesa,
– Leong Chi Pong, um chinês de Zhongshan que veio, há mais de 30 anos para Macau, trabalha na zona do peixe no Mercado Vermelho onde aprendeu algum português para melhor comunicar com os clientes.
Macau, China, 16 Dezembro de 2014, CARMO CORREIA/LUSA