Lifau, Timor-Leste, 24 nov (Lusa) – Uma das primeiras crónicas de viagem de Lifau, capital de Timor-Leste até 1769, foi escrita 184 anos depois da chegada dos portugueses pelo navegador e explorador inglês William Dampier, o primeiro homem a circum-navegar o globo três vezes.
Em janeiro de 1699, Dampier assumiu comando do navio HMS Roebuck e, sob comissão do rei Guilherme III, embarcou para explorar a Nova Holanda (como os holandeses conheciam a Austrália) onde chega oito meses depois, viajando depois de algum tempo para norte.
Contorna a ilha de Timor pela metade indonésia da ilha e alcança Lifau, uma povoação “composta por uma igreja e quarenta ou cinquenta casas pobres e baixas, construídas principalmente de lama, caniços e folhas de palmeira”, cujos habitantes Dampier descreve.
“Uma espécie de indianos, de cor acobreada, com cabelo liso preto. Falam português e são católicos romanos, mas tomam a liberdade de comer carne sempre que lhes apetece. Sentem muito orgulho na sua religião e consideram-se descendentes dos portugueses”, escreveu.
“Ficariam muitos zangados se alguém lhes dissesse que não eram portugueses. No entanto vi apenas três brancos aqui, dos quais dois eram padres. E há muito poucos portugueses autênticos em qualquer parte da ilha”, registou Dampier.
Povoado criado em 1556 por um grupo de frades dominicanos, Lifau é para muitos o berço da identidade timorense, assente em três pilares – os reinos tradicionais, a ligação aos portugueses e o catolicismo – que formariam a base do que, mais tarde, seria Timor-Leste.
A primeira viagem portuguesa até Timor é creditada, em parte, aos esforços do capitão de Malaca, Rui de Brito Patalim que, notou o historiador Luis Filipe Thomaz, já no início de 1514 escreveu ao rei D. Manuel a falar da ilha.
Rui de Brito acabaria por ser substituído em meados de 1515 e é o seu sucessor, Jorge de Albuquerque, ou o sucessor deste, Jorge de Brito, que assume funções no final desse ano, a mandar o primeiro junco português a Timor.
Registos dos primeiros tempos de trocas comerciais são escassos em parte porque ao contrário do comércio de Maluco e Banda, que foi considerado monopólio régio, o de Timor permaneceu livre, como notou Filipe Thomaz.
Durante mais de um século os dominicanos fincaram a sua presença em Lifau.
Frei António de S. Jacinto lidera as negociações com o poder tradicional local e os monarcas do Cupão são batizados D. Duarte e D. Mariana, assinando a 29 de dezembro de 1645 um termo de sujeição a Portugal tomando D. João IV como “protetor e amparo”.
O acordo permite a construção de um forte – a primeira construção portuguesa em toda a ilha de Timor – que mesmo sem estar terminado, sete anos depois, cai para os holandeses, que rapidamente se expandem, chamando a si o apoio de vários régulos locais.
A 20 de fevereiro de 1702 e quase 187 anos depois do primeiro junco português chegar a Lifau, na costa norte da ilha de Timor, a Capela de S. António acolhe uma cerimónia sem precedentes na povoação.
António Coelho Guerreiro é empossado por frei Manuel de Santo António como o primeiro governador português de Timor, dando inicio a um período de destaque para Lifau, que até 1769 seria a capital de Timor-Leste.
Luis Filipe Thomaz referiu que a organização montada por Guerreiro sobreviveu praticamente inalterada durante dois séculos, até ao governo de Celestino da Silva (1894-1908), com algumas estruturas, como a organização militar e as companhias de moradores, a manter-se até à ocupação indonésia.
Um dos períodos de maior tensão em Lifau não foi criado pelos timorenses, mas sim pelos intensos e regulares conflitos entre a hierarquia religiosa, nomeadamente o bispo eleito de Malaca, Frei Manuel de Santos António, e os sucessivos governadores.
Em 1765, o governador Dionísio Galvão é envenenado, com as suspeitas a recaírem sobre os caudilhos de Oecusse, Antonio da Costa e Francisco Hornay.
Em resposta, é enviado de Goa António José Teles de Meneses que à chegada a Timor e notando a situação opta por retirar a capital para o reino dos Belos e, a 11 de agosto de 1769, abandona Lifau rumo a Díli onde se instala a nova, e atual, capital de Timor-Leste.