Maputo, 12 mai (Lusa) – O processo de escolha da “Palavra do Ano”, em Moçambique, foi lançado hoje no Centro Cultural Português de Maputo e as primeiras sugestões ouvidas espelham a crise político-militar no centro do país e o caso das chamadas dívidas escondidas.
Um dos propósitos da “Palavra do Ano” é precisamente “trazer à baila temas da atualidade e dar voz a qualquer pessoa que queira dar a sua sugestão”, segundo Miguel Milheiro, diretor da Plural Editora, do Grupo Porto Editora, que promove a iniciativa, pela primeira vez, em Moçambique.
As escolhas são também uma forma de envolver a análise da comunicação social e “esmiuçar” os vocábulos mais votados, prosseguiu, referindo-se à “Palavra do Ano” em Portugal, em 2009, quando se realizou a primeira edição.
No lançamento, uma das alunas moçambicanas do Prémio Eloquência do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, que constituíam a maioria da audiência da sala, foi desafiada a fazer a sua sugestão e indicou “dignidade”.
Logo a seguir, um jornalista moçambicano apontou “tensão”.
As duas palavras estão entre as primeiras propostas no processo de escolha “online”, em Moçambique, e remetem, num caso, para a débil situação económica que o país atravessa e, no outro, para as confrontações militares entre Governo e o braço armado da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana).
“A paz, a paz – precisamos da paz para fazer tudo o resto”, afirmou, por sua vez, Roberto Chitsondzo, um dos músicos mais sonantes de Moçambique, quando instado pela Lusa a fazer a sua proposta, não sendo um acaso que um dos temas que tenha escolhido na sua atuação, durante o lançamento da “Palavra do Ano”, fosse “Custa Dizer Amor”.
Quando o ambiente de crise política e militar persiste em Moçambique e a hipótese de reconciliação permanece remota, uma professora inspirou-se em Chitsondzo e escolheu “amor”, mas as suas colegas preferiram transmitir a sua inquietação com outro tema dominante da atualidade.
“Honestidade”, indicou uma das professoras, numa alusão à revelação, no mês passado, de avultados empréstimos contraídos pelo Governo, entre 2013 e 2014, à revelia do parlamento, das contas do Estado e dos doadores internacionais, e que fizeram disparar a dívida pública.
Do mesmo modo, um grupo de alunas também estabeleceu uma relação entre aquele caso e a “Palavra do Ano”, de forma direta como “dívida”, ou, em referências mais ou menos implícitas, como “sinceridade” ou até “santidade”.
Das escolhas dos moçambicanos até ao final de novembro, a organização do evento vai selecionar dez, em função da análise à frequência do uso dos vocábulos e utilização nos media e redes sociais, para que, ao longo de dezembro, seja votada “online” a “Palavra do Ano”.
Miguel Milheiros espera que o evento seja replicado em Moçambique todos os anos e que esta primeira edição constitua “um sucesso, tal como em Angola”, onde a escolha da “Palavra do Ano” também se estreia em 2016.
“O português é a nossa língua de unidade nacional e as nossas crianças precisam dessa referência linguística para poderem discutir o que é bom para a sociedade”, considerou Roberto Chitsondzo, explicando a sua adesão à iniciativa.
Para o artista e antigo deputado, é ainda uma forma de chamar a atenção para a importância da palavra, que “não pode ser desvirtuada como está a acontecer”, embora seja, ao mesmo tempo, relevante “enriquecer a língua em Moçambique, que é a portuguesa”.
Quem entrar no “site” da “Palavra do Ano” apercebe-se logo da flexibilidade da língua portuguesa em Moçambique: “Queremos maningue [muito] a sua sugestão”, lê-se no campo de apresentação das propostas a candidatar.
Todos tinham uma no final do lançamento, exceto um dos alunos, recolhido ao canto da sala mais o seu cálice de Porto de honra, e que, na verdade, perante a situação do país, estava “sem palavras”.
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