Lisboa, 24 mai (Lusa) – Dois investigadores portugueses consideram que a ordem religiosa católica dos jesuítas distinguiu-se pela capacidade de estabelecer durante os descobrimentos portugueses “um diálogo entre culturas, nunca antes realizado”.
O livro “Jesuítas-Construtores da Globalização”, de José Eduardo Franco e Carlos Fiolhais – publicado este mês -, surge por ocasião da passagem dos 200 anos da restauração da ordem de Santo Inácio de Loyola, muito influente em Portugal, na Europa e no mundo, no plano da educação, missionação e ciência.
A ordem foi suprimida pelo papa Clemente XIV, em 1773, e restaurada pelo papa Pio VI, em 1814.
No século XVI, os jesuítas – que surgiram em 1540 – encontraram em Portugal “uma plataforma de lançamento e projeção, construindo um rede de missões, através do padroado português (…), mas também a primeira rede global de ensino, regida por um só requerimento pedagógico”, afirmou José Eduardo Franco.
Foram também os responsáveis “pela primeira base de dados de conhecimento global”, disse o investigador, acrescentando que os jesuítas estavam muito bem preparados intelectualmente, dominavam várias línguas – preparavam-se para aprender as línguas dos povos em que missionavam – e foram, ao mesmo tempo, investigadores e redatores, que recolheram dados e escreveram sobre tudo o que viam”.
As primeiras gramáticas de línguas de vários povos sem tradição escrita, como os guarani (Brasil), os primeiros dicionários de português-japonês ou português-chinês, os primeiros catecismos, as primeiras traduções da Bíblia ou de Aristóteles foram todas destes homens “que acabaram por estabelecer um diálogo entre a cultura ocidental e culturas orientais e extremo-ocidentais nunca antes realizado”, afirmou José Eduardo Franco.
A história dos jesuítas no “processo de fixação da rede de possessões ultramarinas e da expansão da presença portuguesa no mundo, a partir do período dos Descobrimentos”, está “intimamente ligada” a Portugal, e este livro, editado pelos CTT, é também “um contributo para compreender Portugal enquanto país pai da globalização”, destacou.
Ainda hoje, as bibliotecas e os arquivos dos jesuítas são muito procurados por investigadores “porque preservam a memória desses primeiros contactos globais, uma memória pioneira no contexto da construção da primeira aldeia global”, através da “rede do padroado português”, disse.
A Companhia de Jesus juntou, em termos de dimensão, “uma comunicação quase oceânica”, que merece ser estudada e aprofundada, defendeu.
O investigador Carlos Fiolhais, coautor da obra, destacou que os jesuítas “encontraram um berço, mas também um túmulo” em Portugal, referindo-se à expulsão da Companhia, em 1759.
O Marquês de Pombal usou toda a máquina do Estado contra os jesuítas, para denegrir o trabalho da Companhia, de acordo com Carlos Fiolhais. Na altura, a ordem era a mais influente no país, com uma rede de cerca de 30 colégios, mais de 20 mil estudantes no ensino secundário e a criação de uma segunda universidade, em Évora.
Para José Eduardo Franco, os jesuítas acabaram por gerar – como acontece com instituições e povos muito empreendedores, com grande capacidade de realização e influência – “um antijesuitismo sistemático”, e uma grande oposição ao longo dos séculos e até hoje.
Os jesuítas foram marcados por esse estigma da crítica, da oposição, levando à produção de literatura que criou o “mito negro” da ordem e uma leitura da história partidária, dividida entre os que admiravam a Companhia e aqueles que a viam como causa da decadência de Portugal.
Depois de quase 500 anos de história, uma ordem altamente preparada, criada para desempenhar qualquer missão da Igreja e onde for mais necessário, viu eleito o primeiro papa jesuíta há três anos.
Francisco está a fazer história com um aspeto característico da ordem que “é o diálogo com as fronteiras, com aqueles que estão além da Igreja ou na fronteira da Igreja”, disse José Eduardo Franco.
“Os jesuítas sempre falaram mais para fora do que para dentro e foram sempre, ao longo da sua história, preparados para dialogar com o outro, com a diferença”, sublinhou.
Esta capacidade da ordem de lidar com “o diferente e o extraordinariamente diferente”, levou ao estabelecimento de “um diálogo audível e compreensível a ambas as partes”, adaptando a mensagem do Evangelho e da cultura ocidental à cultura do outro, acrescentou o investigador.
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