Identidade cabo-verdiana definida na luta entre “filhos da terra” e filhos do reino”

Ana Cordeiro, investigadora e diretora do Centro Cultural Português do Mindelo (na ilha cabo-verdiana de São Vicente), falava à Lusa após participar na conferência internacional “Rota dos Presídios no Mundo Lusófono”, que decorreu sexta-feira e sábado no Tarrafal (norte de Santiago).

A investigadora portuguesa, que na conferência abordou o tema “Degredo e Deportações Políticas em Cabo Verde no Século XIX”, salientou a diversidade dos degredados e deportados para o arquipélago ao longo dos últimos três séculos, lembrando que os primeiros degredados começaram a chegar no século XVIII.

“Pode estabelecer-se uma relação entre o degredo político e o clima político em Cabo Verde no século XIX. Mas os primeiros degredados políticos terão chegado ainda nos finais do século XVIII, nativistas do Brasil e maçons de Portugal”, indicou, defendendo que foi a partir do século XIX que tudo se acentuou.

Posteriormente, “veio aquela vaga dos liberais e absolutistas, já no século XIX, e, no final desse século, com os militares, republicanos e maçons. Tudo isso reflete-se no que foi, depois, a vida política do arquipélago, com os levantamentos, as revoltas, as divisões internas”, antes de se entrar no século XX, em que prevaleceram os opositores ao regime do Estado Novo, liderado por António Oliveira Salazar, explicou.

Ana Cordeiro referiu que tudo começou com os movimentos de separação de Portugal e com ligação ao Brasil, muito por culpa de um nativista brasileiro, José Resende Costa Filho, que esteve dez anos em Cabo Verde, e que trouxe muitas “dores de cabeça” ao Reino.

“Mas a relação entre os degredados e Cabo Verde também se fez muito através de intelectuais, poetas, escritores, alguns ligados à Maçonaria, como o poeta madeirense Francisco da Paula Medina de Vasconcelos e um outro, Pato Moniz. Há as ligações a intelectuais cabo-verdianos e, depois, aos próprios ativistas políticos, pessoas que não foram propriamente sentenciadas, mas que, para fugir até a algumas perseguições, vieram para Cabo Verde e que acabaram por influenciar a vida do arquipélago”, disse.

E é nesse sentido, defendeu, que se forma a identidade cabo-verdiana. Apesar de se poder afirmar que ela se formou ao longo dos tempos, desde o povoamento, no século XV, e é sobretudo no final do XIX que se acentua.

“É no final do século XIX que já se encontra uma identidade, um ‘nós cabo-verdiano resumido’, que se forma dos confrontos entre os ‘filhos da terra’ e os ‘filhos do Reino’, que foi muito importante para a formação da identidade”, explicou.

Ana Cordeiro referiu ser “difícil” contabilizar o número dos degredados, deportados, sentenciados, transferências compulsivas de funcionários ou refugiados que vieram de Portugal para Cabo Verde ao longo dos séculos.

“Há diversas fases. Na primeira metade XIX, andou-se ao sabor do vento das lutas entre liberais e absolutistas, que se iam revezando, conforme uns ou outros estavam no poder. Depois, a partir do meio do século, no período da Regeneração, de algum desenvolvimento económico e de pacificação política, houve mais degredados por crimes de delito comum, mas, depois, já no final do século, acentuou-se novamente a vertente política, mas mais da parte dos sentenciados militares”, sintetizou.

Nessa altura, “houve decretos que proibiam o degredo para Cabo Verde e São Tomé, porque eram meios muito pequenos, onde os degredados acabavam por ter um impacto social muito grande. Houve muita pressão para que acabassem. Acabou, depois, por haver uma diminuição, mas não cessou totalmente. Aí, (os ativistas) da ideologia republicana e da maçonaria começaram a ganhar terreno e a chegar a Cabo Verde em maior número”, acrescentou.

A última fase do degredo e das deportações políticas e militares acontece já no século XX, primeiro com os “refugiados” republicanos, não sentenciados, mas para fugirem à repressão existente em Portugal, que se acentuou, a partir da década de 30, com a chegada do Estado Novo ao poder.

JSD // JLG – Lusa/Fim

Foto: Uma mulher transporta água na praia do Tarrafal , Cabo Verde, 04 dezembro de 2012. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Subscreva as nossas informações
Scroll to Top