Lisboa, 14 jul 2019 (Lusa) – O antigo responsável da ONU Carlos Lopes considera que a Guiné-Bissau é “um país pedinte”, onde as lideranças “não têm um respeito constitucional mínimo” e com grande falta de credibilidade junto da comunidade internacional, cuja paciência “tem limites”.
“O que é certo é que temos um conjunto de características que são inverosímeis. Não temos nas lideranças um respeito constitucional mínimo. Há interpretações da Constituição que vão ao ponto de dizer que aquele que ganha as eleições não deve ser escolhido ou não deve governar, porque eu não gosto das políticas dele”, afirmou o professor guineense, em entrevista à Lusa em Lisboa.
Para o académico, antigo secretário-geral das Nações Unidas e atual alto representante da União Africana para as parcerias com a Europa, a Guiné-Bissau precisa “de uma espécie de desígnio nacional das lideranças do país, muito mais comprometido com o futuro dos guineenses”.
Mas esse desígnio não surge porque “é um país rentista”.
Carlos Lopes defende que os países africanos estão, cada vez mais, divididos em duas categorias, os rentistas e os reformistas: os primeiros “vivem da renda que vem do petróleo, ou dos diamantes, ou do cobre ou de alguma coisa, e ficam nesse guarda-chuva, fazem muito poucas reformas e não se adaptam às necessidades de reestruturar a economia, vivem apenas dessa renda”.
Do outro lado, existem os países reformistas, os que fazem um esforço para se tornarem emergentes, explicou.
“Felizmente para a África, temos muitos países que estão a saltar da primeira para esta outra categoria, e alguns deles vizinhos da Guiné-Bissau”, acrescentou o também professor da Universidade Nelson Mandela, na África do Sul, onde vive.
Países como Cabo Verde, Senegal ou Guiné-Conacri são países que estão a fazer reformas ao longo do tempo e são países emergentes, concretizou.
A Guiné-Bissau, ao contrário, está entre os rentistas, mas na subcategoria dos que vivem de uma renda que nem sequer resulta das suas exportações. “Essa renda vem da ajuda ao desenvolvimento, mas é tratada como renda e nem sequer é o resultado do esforço interno das transações económicas do país”, afirmou.
Assim, a Guiné-Bissau ficou isolada na sua região, entre reformistas, e “não só vive da renda como vive deste subproduto que é a ajuda”, considerou, acrescentando: “Portanto é um país pedinte”.
Ora, regimes de política rentista têm ainda um outro problema, disse.
“São regimes que vivem não só do que podem tirar da árvore, ou seja dos recursos naturais existentes, mas também do ilícito. Portanto todos os regimes rentistas vivem da colheita e do ilícito. E a Guiné-Bissau não é exceção”.
“Como a Guiné-Bissau é um país rentista e não tem características reformistas está numa situação de captura”, afirmou em entrevista à Lusa em Lisboa, onde se deslocou na última quinta-feira para receber o “Prémio José Aparecido de Oliveira”, que lhe tido sido atribuído pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em 2016.
O académico guineense referiu que há países complexos em África, como aquele onde vive, a África do Sul, que tem uma comissão de inquérito sobre a captura do Estado, que leva a comissões judiciais, um conjunto de dirigentes.
“E fica provado, através desses inquéritos e dessas investigações que, de facto o Estado foi capturado por negócios ilícitos e por todo o tipo de comportamentos que não são compatíveis com uma economia transparente e moderna”, considerou.
Na sua opinião, a Guiné-Bissau talvez precisasse de uma comissão de captura.
Além destes problemas, a Guiné-Bissau tem ainda, na opinião do antigo dirigente das Nações Unidas, um “défice muito grande de credibilidade”.
“E qualquer governo, e há um novo governo que é legítimo, terá uma dificuldade imensa em superar a incredibilidade da comunidade internacional em relação à Guiné-Bissau como país”, um Estado que já lhe deu “tantos desgostos”.
Porque “há um limite de paciência da comunidade internacional”, frisou.
Apesar do quadro em que o país vive, não vê grandes mudanças possíveis até às eleições presidenciais, marcadas para novembro próximo.
A Guiné-Bissau está num período de “transição político-institucional e por causa dessa transição (…) é muito difícil engajar parceiros internacionais para tudo o que tenha a ver com mudanças estruturais ou de longo prazo”, considerou.
Mais de três meses após as eleições legislativas de 10 de março, o chefe de Estado guineense, José Mário Vaz, rejeitou indigitar como primeiro-ministro Domingos Simões Pereira, presidente do PAIGC. O partido vencedor das eleições acabou por indicar Aristides Gomes, então chefe do Governo cessante, para o cargo, o que o chefe de Estado aceitou, mas sem nomear imediatamente o novo executivo.
O novo Governo foi nomeado a 03 de julho, quase quatro meses depois das legislativas, e no último dia do prazo dado pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).