Geopolítica da Língua

Como palavra composta que é “geopolítica”, ela reflecte já na sua etimologia a união de dois vetores essenciais: o vetor geográfico que abrange um vasto território que vai da Geografia Descritiva à Geografia Humana enquanto influencia a política, e o vetor “política” que encerra as noções de estratégias de poder, conquista de espaços, mercados, alianças… por parte de um e vários estados.

Foi o economista e historiador sueco Rudolfo Kjellen quem criou o termo e a estratégia em 1899, distinguindo claramente a geopolítica das várias geografias, até mesmo da geografia política que a antecedeu de vários séculos, precisamente pelo seu carácter mais dinâmico e abrangente numa vontade expansionista de poder e de intervenção no teatro internacional.

Passando para a área cultural e linguística, o associar a geografia à política da língua tem consequências muito maiores do que o estabelecimento de paralelismos de atuação conquistadora em função dos espaços ou da História. Por isso, são, ou foram diferentes também, as estratégias de domínio e hegemonia, e adoptadas pelas diversas línguas e culturas.

Adotando, pois, algum paralelismo com os modelos de análise utilizados pela geopolítica, conformando-os com a natureza identitária e comunicativa da língua em sua dinâmica própria, é possível conciliar essas suas características com um projecto político de desenvolvimento e de expansão, ultrapassando e valorizando a receita clássica de Du Ballay que apostava quase tudo na “defense et illustration de la langue”.

Assim, iremos enunciar alguns pressupostos essenciais que podem fundamentar uma estratégia geopolítica da língua, servindo-nos de alguns modelos geopolíticos.

Antes de mais, considerando a relação:

  1. 1. Espaço – Poder

Desde o século XV que o sonho português de construir um Império se foi impondo à Realeza e ao Povo. Mais ainda, mitificado como uma realidade a suceder aos Quatro Impérios da Antiguidade, assinalados e, de algum modo, sacralizados pela Bíblia, que Camões assim vislumbrou, de longe, na Machina Mundi, ao evocar na estrofe 119 do Canto X a memória de S. Tomé, Apóstolo do Oriente, e ao interpelar o Gama e seus nautas sobre se estavam preparados para a missão universal que deviam cumprir: “E vós outros que os nomes usurpais/ De mandados de Deus, como Tomé, / Dizei: se sois mandados, como estais/ Sem irdes a pregar a Santa Fé?”.

Vieira objectivou esse mandato assegurando que iria concretizar-se num Quinto Império Luso, de carácter religioso. Fernando Pessoa apressou-se a transformar esse Quinto Império da Fé em Império Cultural baseado na Língua Portuguesa, ou seja, fazendo dela uma Pátria, que, para ter sólidos fundamentos, devia utilizar uma língua que reunisse algumas “condições imediatas do Império da Cultura”, de entre elas: “uma língua apta para isso, isto é: rica, gramaticalmente completa, fortemente nacional”[1].

O brasileiro Sílvio Romero reformulou em 1902 essa tradição sugerindo que os territórios que falam Português fossem organizados num bloco defensivo para fazer face às cobiças de potências hegemónicas da Europa Central e a outras hegemonias expansionistas[2]. Sonhos estes que, na Modernidade, foram retomados por Agostinho da Silva desmontando o Império enquanto dominação de um Imperador, de uma cidade capital, e até do território da sua origem, propondo uma comunidade – a “Lusofonia” – , de natureza e vocação ecuménica. Refletindo sobre a vocação de Portugal e do Brasil: “Portugal [está] ante a obrigação de iniciar aquele ecumenismo que o mundo espera e que reúna num só todo religiões e raças, ecumenismo que nunca virá se os que o empreenderem se não despirem de todo o resquício que possa haver em suas mentalidades de capitalismo ou neo-colonialismo colonial, de conceitos de superioridade ou inferioridade de culturas, ou da ideia de que há religiões verdadeiras e outras que são falsas”[3].

Até aos nossos dias, estas formulações mais ou menos utópicas assentavam numa ideia de dominação colonial, claramente expressa pelo gramático espanhol Nebrija que na sua Gramática (1492) da garantia da existência de uma fazia garantir a existência da outra: “Una cosa allo y saco por concluir muy certo: que siempre tal manera le seguió que juntamente fué la caída de entrambos”[4].

Da mesma maneira, corroborando a ideia de Nebrija, o nosso gramático Fernão de Oliveira em sua Gramática da Lingoagem Portuguesa, de 1536, confirma esse ideal: “porque Grécia e Roma só por isto ainda vivem, porque quando senhoriavam o Mundo mandaram a todas as gentes sujeitas aprender suas lingoagens e em elas escreviam muitas boas doutrinas”[5].

Assim se pensava e fazia em todo o espaço colonial, nos vários continentes. Mas se, como concluia Agostinho da Silva, não havendo ninguém para ser quintoimperador, não havia lugar para um qualquer Quinto Império regido por uma nação. Assim se ultrapassou historicamente, no domínio linguístico, já nos nossos dias, a ideia de uma geopolítica da língua baseada no poder.

Por outras palavras e, segundo já ideia corrente na atualidade, a língua portuguesa deixou de ter o “dono” que era Portugal e passou a ser propriedade de oito países e várias regiões em regime semelhante ao do atual condomínio de habitação.

  1. 2. A ultrapassagem da relação Centro/Periferia

 

Conceito essencial em geopolítica nas diversas fases da história mundial, por exemplo, desde o Império Romano era o de que no Centro estava o Poder, e que a ele e aos seus critérios toda a Periferia se tinha de submeter. Assim, nos tempos modernos, ainda acontece no plano político a desigual correlação de forças entre os países dos chamados “primeiro mundo” e “terceiro mundo”, da dicotomia Norte/Sul, ou na tensão que opunha as potências de Este a Leste, especialmente durante a Guerra Fria, entre uns e outros e entre as metrópoles e suas colónias. Em consequência, assim se processam as estratégias do uso da força, do domínio e das alianças, ou do apaziguamento, promoção social, alfabetização…

Deste modo, numa sociedade colonial o exercício do poder, tanto em questões políticas, como culturais e linguísticas, foi sempre o de se impor o critério do Centro sobre o da Periferia (Metrópole / Colónia). E no interior de cada país ou colónia sempre se reproduzia essa mesma dinâmica.

Contudo, numa constelação de países soberanos que adotaram a língua do colonizador, essa prática que vigorou até às independências era a de o Centro fazer imposições à Periferia, não mais é admitida.

A partir das independências só é correta a prática linguística na Lusofonia a de o Centro ser também considerado Periferia, e as Periferias Centro.

Por outras palavras, na Lusofonia a estratégia atual da geopolítica linguística deve passar pelo respeito das antinomias e diferenças procurando-se a unidade na diversidade. Ou seja, o reconhecimento e consolidação das diversas variantes nacionais linguísticas na unidade da língua comum.

Conforme o ensinamento de prestigiados linguistas como Celso Cunha, António Houaiss, Lindley Cintra, Malaca Casteleiro, e hoje de aceitação consolidada, a Língua Portuguesa se reconhece enriquecida por três variantes de igual valor e dignidade: a portuguesa, a brasileira, a galega – normal ou língua -, e não tardará muito que outras surgirão nos outros países lusófonos.

É por isso que no relatório de Diretrizes para o Aperfeiçoamento do Ensino/Aprendizagem da Língua Portuguesa, elaborado por uma comissão nacional de língua (Abgar Renault, A. Houaiss, Celso Cunha, Celso Luft, Fabio Lucas, etc.), mandatada pelo Ministério da Educação do Brasil, se recomenda aos professores: “A emergência de variedades linguísticas postulou a existência de duas ou mais normas cultas de uma mesma língua de cultura. É o que ocorre com o nosso idioma no Brasil, em Portugal, em Angola, em Moçambique, em Cabo-Verde, na Guiné-Bissau e em São Tomé e Príncipe. O conceito de língua culta, conexo ao de norma culta, não coincide, pois, com o de língua de cultura. As línguas de cultura oferecem uma feição universalista aos seus milhões de usuários, cada um dos quais pode preservar, ao mesmo tempo, usos nacionais, locais, regionais, sectoriais, profissionais.”

Deste modo, as variedades nacionais que são línguas ou Normas Cultas se unem para formar a universalista Língua de Cultura que é a língua portuguesa, removendo-se os obstáculos que possam surgir a essa unidade, por exemplo, na ortografia.

Aliás, já nessa data de 1986, nesse mesmo documento se urgia na “imperativa necessidade de superar a anomalia da nossa língua de cultura como única a ter duas ortografias oficiais que criam prejuízo para a Lusofonia, tanto no âmbito particularista quanto em âmbito internacional”[6].

  1. 3. Território e Factores geográficos

 

Considerámos atrás, na dinâmica “centro/periferia” como ela foi ultrapassada pela tomada de posse da língua portuguesa por parte das nações, antigas colónias, logo que acederam à independência, consagrando-se essa posse pelo ato cheio de simbolismo da elaboração por todos aprovado do novo Acordo Ortográfico da língua comum.

Existe, porém, uma outra relação e tensão paralela que deve ser ultrapassada: a das consequências do factor geográfico incidindo sobre a língua.

Da mentalidade purista punitiva das “corruptelas linguísticas”, e da desconsideração pelos “dialectos”, “crioulos” e falares locais, já se passou para o ideal da prática lusófona reconhecendo não só as variedades da língua portuguesa, mas também respeitando e prestigiando a prosódia e o vocabulário que lhes são próprios. Até porque, desde há muito que se percebeu que as variações culturais o são também por influência climática, com efeitos determinantes no carácter prosódico e vocabular das normas.

Aliás, já Montesquieu no seu De l’Esprit de Lois tinha chamado a atenção para este problema observando que até as leis, tal como os costumes, também dependiam da influência do clima e de outros factores naturais. Depois de atribuir ao clima a diferença de nível de vida entre os povos do norte e os do sul da Europa, comenta: “Il y a de pays où la chaleur énerve le corps, et affaiblit si fort le courage, que les hommes ne sont portés à um devoir pénible que par la crainte du châtimant”[7].

Descontando o que há de determinismo absolutista nesta teoria, parece a todos obvio que, nos países quentes, os costumes, tal como a linguagem, são diferentes dos dos países temperados ou frios. Perspectiva esta que nos nossos dias foi também desenvolvida pelo geógrafo Karl Ritter em meados do século XIX ou por Elisée Reclus, Friedrich Ratzel e outros. Mais perto de nós, Gilberto Freyre, ao estudar a colonização portuguesa do Brasil, anota, em relação aos costumes e à língua portuguesa pelos brasileiros, a influência destes factores, também através dos escravos africanos: “Os negros foram os maiores inimigos que o clima, dos ss e rr, maiores corruptos da língua no sentido da lassidão e do langor. Mães negras e mocamas criaram um português diverso do hirto e gramatical que os jesuítas tentaram ensinar aos meninos índios e semibrancos, alunos de seus colégios; do português reinol que os padres tiveram o sonho vão de conservar no Brasil (…) / E não só a língua infantil se abrandou deste jeito, mas a linguagem em geral, a fala séria, solene, de gente grande, toda ela sofreu no Brasil ao contacto do senhor com o escravo, um amolecimento de resultados às vezes deliciosos para o ouvido. Efeitos semelhantes aos que sofreram o inglês e o francês em outras partes da América sob a mesma influência do africano e do clima quente”[8].

Já nesta citação se observa o efeito do multiculturalismo, pois no Brasil colonial várias etnias e culturas conviveram e se misturaram.

Nos nossos dias, essa é cada vez mais a situação de todos os países desenvolvidos.

Em consequência, qualquer iniciativa de geopolítica linguística tem de ter em conta a multiplicidade de culturas e línguas e o correspondente direito à diferença. Mas com uma alteração substantiva, porque a tensão “centro/periferia” mudou geográfica, cultural, económica e religiosamente as suas formas de expressão linguística e outras: a “Periferia” passou a integrar o “Centro”.

Aqui se aplica bem a reflexão de Edgar Moran sobre a “complexidade” e sobre a metáfora do holograma construída a partir da teoria óptica: cada vez mais, quer na escala maior das nações, quer na menor dos indivíduos, a totalidade do mundo está em cada uma das suas partes. Em consequência, tudo é sentido em toda a parte e por todos. Assim, nesta perspectiva hologramática, multicultural, estamos a considerar cada país da Lusofonia como “Centro” e os outros “Periferia”. Ao mesmo tempo, em razão da legitimidade multicultural, o ensino elementar da língua deve ser feito em cada “Centro” na língua materna, respeitando-se nele também as outras manifestações prosódicas, vocabulares e de estilo da língua e cultura dos que vieram da “Periferia”. Esta é regra fundamental para qualquer “centro” que seja comunidade de acolhimento.

Em boa prática geolinguística, quando um centro tem uma língua oficial diferente da sua materna, obviamente que o sistema de ensino deve adequar-se a essa dupla condição, para além de dever também ter em conta a adopção da “língua franca” atual, o inglês, indispensável para múltiplas movimentações intelectuais, sociais e laborais. Mas de maneira nenhuma aceitar a exigência de duas línguas francas, pois tal situação conduziria à não aprendizagem de outras línguas.

  1. 4. Controlo estratégico para o bem-comum

 

Grande é a diferença, nem sempre bem entendida, entre unidade e uniformidade.

As diversas variedades da língua portuguesa, como em qualquer língua de base de uma fonia, precisam de promover e acautelar a unidade, para que o diálogo seja possível, mas deve evitar e combater a uniformidade, contrária à diversidade cultural e ao tesouro expressivo de cada norma culta ou regional.

Muito lucidamente, Celso Cunha, refletindo sobre uma política para a língua portuguesa, assim define um dos seus maiores parâmetros: “A luta pela pureza do idioma foi um anseio do século XIX, ‘hoje não pode ser mais o nosso objetivo: nossa luta tem que ser para impedir a fragmentação do idioma comum’ [Dâmaso Alonso]. / Para lutarmos pela conservação da unidade relativa da nossa língua é necessário, obviamente, partirmos da realidade atual, isto é, da forma porque a utilizam efetivamente os meios cultos de cada país da comunidade idiomática.

A essa unidade superior da língua portuguesa dentro da natural diversidade que nos cabe preservar como fator interno de unidade nacional do Brasil e de Portugal e como o elo mais forte da comunidade luso-brasileira. (…) Não é, pois, uma unificação, uma uniformização da língua que proponho.”[9]

Fácil é entender, nesta perspectiva, a importância do Acordo Ortográfico que estabeleceu uma grafia comum para todos os lusófonos, respeitando integralmente a prosódia, o vocabulário, o estilo, etc. porque ortografia não é sinónimo de Língua.

Daí a importância que numa geopolítica da língua desempenham as Academias e seus dicionários, vocabulários, etc. na função de guardiãs dessa unidade na diversidade, ao mesmo tempo que se constata o erro e o perigo antigeopolítico de se criarem oficialmente organismos paralelos ou substitutos.

  1. 5. Instituições e estratégias da geopolítica linguística

 

O DESPERTAR DAS ACADEMIAS

 

Embora o pensamento sobre a Lusofonia não tenha sido elaborado pelas Academias das Ciências e Portuguesa de História, pois ele mergulha nas conhecidas raízes e inspiração de Vieira, Silvio Romero, Pessoa, Agostinho da Silva e outras personalidades portuguesas, grande passo em frente foi dado por estas Academias a partir de 1998 ao decidirem convidar para seus sócios correspondentes personalidades africanas de países das nossas antigas colónias.

Assim se completou ao mais alto nível a “Pátria da Língua”, já também valorizada por múltiplas iniciativas de universidades, centros de investigação, institutos culturais, associações de professores, etc.

É que uma coisa são os intercâmbios e os interesses de vária ordem político-profissional e outra a criação e institucionalização de um projeto comum que tem por centro a promoção da língua portuguesa, ao mesmo tempo que integra línguas e valores próprios das outras nações e regiões que se identificam como lusófonas. Algo de novo, pois, surgiu no final da década de 90 quando a Academia de Ciências de Lisboa integrou como sócios correspondentes personalidades dos países africanos, a juntar aos sócios correspondentes brasileiros que há já largos anos a ela pertenciam.

E o mesmo aconteceu, também nessa data, com a Academia Portuguesa de História que adotou igual procedimento.

Assim, à Academia das Ciências de Lisboa já pertencem personalidades de todos os países africanos, esperando-se para breve a entrada de um representante de Timor.

Aos académicos portugueses já se tinham juntado antes oito brasileiros para além de correspondentes estrangeiros.

Do mesmo modo, a Academia Portuguesa de História, aos sócios portugueses, de número e correspondentes, se juntam dez brasileiros e outros tantos africanos.

Quanto à Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897, tendo por primeiro presidente Machado de Assis, orgulha-se de ter tido entre os seus membros mais dedicados à nossa língua comum António Morais e Silva, tão celebrado pelo seu valioso Dicionário e por estudos diversos de Lexicologia e Lexicografia. Admite esta academia, para além dos seus quarenta membros, vinte membros estrangeiros (sócios correspondentes), sendo dez portugueses, e tendo-se já aberto aos africanos com a entrada do moçambicano Mia Couto.

Também recentemente se iniciou a prática de reuniões conjuntas das Academias brasileira e portuguesa, tendo-se realizado a última reunião em Setembro de 2010 debatendo a obra de Gilberto Freyre Casa Grande e Senzala.

Quanto aos países lusófonos africanos, já surgiu em 2009 a Academia das Ciências de Moçambique, esperando-se para breve a criação de outras dos restantes países.

ORGANIZAÇÕES DE APOIO

 

Durante demasiado tempo, as relações luso-brasileiras eram excessivamente retóricas e de débil ou nula eficácia. Um tanto melhor vão agora as coisas na área da cooperação adentro da Lusofonia, mas ainda há demasiada timidez e falta de iniciativa na área internacional envolvente da Lusofonia, especialmente no relacionamento com as organizações africanas e latino-americanas. Mais se diria ainda no relacionamento com outra área que no futuro pode vir a desempenhar um papel muito importante: o da Latinidade, que cada vez mais se está a afirmar, face à dominante Anglofonia.

Por isso são generalizadas, e particularmente duras, algumas críticas aos dois órgãos da Lusofonia – CPLP E IILP -, especialmente vocacionados quer para o relacionamento político internacional, quer para uma geopolítica linguística de profundidade e de futuro.

Ao primeiro órgão censura-se a pouca eficácia, especialmente na resolução de conflitos e na acção diplomática para fora da Lusofonia, na defesa e promoção dos interesses da língua portuguesa nos sistemas escolares estrangeiros.

COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA – CPLP

Criada em 1996 é, sem dúvida, o órgão mais autorizado para a condução de uma verdadeira geopolítica envolvente em relação à língua portuguesa. Por isso, criticá-la é estimulá-la, porque é indispensável a sua acção.

De tal maneira indispensável, que até se tornou apetecível por parte de outros países que desejam integrá-la ou relacionar-se como membros, observadores ou pretendendo, simplesmente, participar em algumas das suas reuniões. Assim tem acontecido com a Austrália, Indonésia, Ucrânia, Suazilândia, Guiné-Equatorial, quer para resolver questões de interesse comum, quer para outras formas de relacionamento com os países lusófonos.

Em nosso entender, nesta questão da língua, a CPLP tem cometido o erro de não ser capaz de pôr a funcionar o IILP, e ainda o de o regulamentar previamente de tal maneira que muito pouco ou insignificante esse instituto poderá fazer.

INSTITUTO INTERNACIONAL DA LÍNGUA PORTUGUESA – ILLP

Criado em 1989 pelos Chefes de Estado Lusófonos, tem sofrido história atribulada e existência/não existência mais que discreta.

É que ainda sem existência concreta foi integrado, se não na teoria, pelo menos na prática, sete anos depois, em 1996, na CPLP, então criada, e só em 2001 teve Estatutos aprovados. Como se não bastasse esta espera de doze anos para existir na realidade, tais Estatutos foram modificados em 2005 e tendo a CPLP em 2009 decidido reestruturá-los (!).

Neste ano 2010, ainda esperamos por ele. E, no entanto, a nosso ver, deve ser ele o grande instrumento de geopolítica da língua pois muitas importantes tarefas o esperam. É preciso que a lógica geopolítica leve o IILP a autonomizar-se em relação á CPLP, embora, obviamente, dentro dum quadro genérico de princípios e objectivos traçados pela mesma CPLP. Essa autonomização do IILP é indispensável, porque não é possível que o seu chamado concelho científico, apesar da sua louvável composição por membros de todos os países lusófonos, tenha um presidente não eleito pelos seus pares, disponha de um mandato de apenas dois anos, em regime rotativo e por ordem alfabética, não estando sequer garantido que eles sejam entendidos em questões da língua. Será isto um concelho “científico”? Por isso, alguns consideram o IILP um “nado-morto”.

Não queremos que o seja pois entendemos que ele deveria ser estruturado como um Instituto Universitário ou um grande Centro de Investigação com projectos ambiciosos, previstos para médio e longo prazo, porque são muitas e importantes as tarefas que o esperam: por exemplo, elaboração de Acordos Ortográficos (obviamente em ligação com as Universidades e Institutos de Linguística), vocabulários e dicionários comuns, processamento de terminologias cientificas e técnicas, nomenclatura gramatical que obtenha o consenso de todos para não se repetir aquela infeliz iniciativa unilateral portuguesa da Telebs (como se ainda vivêssemos num “centro” a dar ordens á “periferia”), a elaboração de uma gramática da língua portuguesa para toda a Lusofonia.

Belo exemplo de geopolítica e capacidade nos deu neste ano de 2010 a Espanha ao apresentar uma gramática única da língua espanhola aprovada e adoptada por todas as Academias espanhola e hispano-americanas.

E porque não organizar o já reclamado, há largos anos, Thesaurus das Letras e das Ciências da Lusofonia?

INSTITUTO CAMÕES

Tem sido, desde há largos anos, o Instituto Camões (IAC, ICLP, ICALP) quer na órbita do Ministério da Educação, quer dos Negócios Estrangeiros, o grande executor da verdadeira geopolítica da língua, através da condução do ensino da língua e cultura portuguesas no estrangeiro.

E tem-no feito meritoriamente, em aperfeiçoamento contínuo, não só enviando para o estrangeiro professores, leitores, criando Cátedras, Centros de Língua, Centros Culturais, mas desdobrando-se em outras iniciativas complementares, pois que para além dessa acção “presencial” tem recorrido à utilização das novas tecnologias para o ensino à distância, pela disponibilização de uma biblioteca digital, ao mesmo tempo que intervém na concretização dos Acordos Culturais, e concedendo bolsas a estudantes estrangeiros.

Para além disso, atribui também o prémio luso-brasileiro Camões instituído em 1989, tendo ele sido já atribuído a dez portugueses, nove brasileiros, dois angolanos, um moçambicano e um cabo-verdiano.

Embora com implicações menores numa geopolítica da língua, neste tempo em que tudo mudou para a dimensão multicultural, não deve o Instituto manter a ideia e a acção próprias de um “Centro” de carácter neo-colonial. Há que considerar uma reconversão de certas iniciativas antes louváveis, mas que, agora em tempo de coexistência “Centro/Periferia”, exigem uma concertação que leve a iniciativas conjuntas: no envio de professores e leitores, na edição conjunta de obras não só sobre a língua portuguesa mas também sobre as línguas e dialetos do que antes era periferia, etc.

ASSOCIAÇÃO DAS UNIVERSIDADES DA LÍNGUA PORTUGUESA – AULP

Fundada em 1986 na Cidade da Praia, Cabo-Verde, tem como objectivo intensificar os contactos entre as Universidades e outras instituições lusófonas pelo que admite várias categorias de membros.

Segundo os seus estatutos, deve “promover a apoiar as iniciativas que visem o desenvolvimento da língua portuguesa (…), promover projectos de investigação científica (…), incrementar o intercâmbio entre docentes, investigadores e estudantes (…), fazer circular informação científica, técnica, pedagógica e cultural. (…)”.

Tem realizado vários encontros nos diversos países lusófonos, devendo realizar-se o de 2010 em Macau.

Atribui o Prémio Fernão Mendes Pinto.

Em nosso entender (participamos em 1986 na criação da AULP), o intercâmbio entre as Universidades deve ser mais ambicioso sobretudo na informação dos projectos colectivos ligados à criação de áreas especializadas, na criação de um volume informativo de todas as Universidades e cursos do espaço lusófono e elaborando neste tempo, em que a tecnologia em tantos casos em vez de iluminar cega, promover aprofundada reflexão sobre questões como o Humanismo, a Lusofonia, os valores comuns, etc., etc.

UNIÃO DAS CIDADES CAPITAIS LUSO-AFRO-ASIÁTICAS – UCCLA

Nos seus Estatutos, revistos em Maputo em 2008, esta União “tem por objectivo principal fomentar o entendimento e cooperação entre os seus municípios – membros – pelo intercâmbio cultural, científico e técnico e pela criação de oportunidades económicas, sociais e conviviais, tendo em vista o progresso e bem-estar dos seus habitantes”.

Não referem os Estatutos qualquer objectivo relacionado com a língua, insistindo antes no cuidado em “promover o desenvolvimento de iniciativas económicas, comerciais e industriais pelas empresas com as cidades-membro.” Contudo, indirectamente, contribuem para o reforço da língua portuguesa nas instituições-membro e respectivos países.

Também promovem a língua e a cultura portuguesas, agindo especialmente nos países lusófonos, algumas fundações e instituições particulares de que convém destacar:

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN

A Fundação Gulbenkian, cuja actividade se reparte por acções de concessões de bolsas de estudo e subsídios a financiamento de projectos externos de entidades diversas, tem, obviamente, ainda outros projectos e programas próprios, exercendo através deles atividade de reconhecido mérito.

Na área educativa, a missão do Serviço de Educação e Bolsas promove, em especial, a educação, completando-a com um plano de edições de referência, até porque sempre deu prioridade ao fomento da leitura. Nesta área é relevar o papel desempenhado pelas Bibliotecas Itinerantes, dando sempre especial importância à expansão e aperfeiçoamento do ensino da nossa língua.

Louváveis também os programas de desenvolvimento nos países africanos lusófonos não só na questão da língua mas também na divulgação do património cultural.

FUNDAÇÃO ENGENHEIRO ANTÓNIO DE ALMEIDA

Desde 1969 que esta Fundação sediada no Porto se preocupa especialmente em apoiar os serviços de edição e cultura dando especial atenção aos países de língua portuguesa de que é testemunho, por exemplo, o conjunto dos vários volumes de entrevistas de Michele Laban a escritores africanos.

Promovem ainda a língua portuguesa, sobretudo em África, várias organizações de cooperação e voluntariado salientando-se:

INSTITUTO PORTUGUÊS DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO – IPAD

É por este Instituto que é coordenada a política de cooperação oficial instrumento de política externa, contemplando, preferencialmente, os países lusófonos, sem deixar de estar muito empenhado na cooperação internacional de Estado, no sentido da concretização dos Objectivos de desenvolvimento do milénio (ODM) das Nações Unidas.

De notar, em especial, o envio de cooperantes para os países lusófonos. Foram eles, segundo dados publicados a três de Fevereiro de 2010, duzentos e trinta e seis.

FUNDAÇÃO EVANGELIZAÇÃO E CULTURAS – FEC

Criada em 1989, esta ONGD da Igreja Católica Portuguesa, para além das tarefas de evangelização, dedica-se intensamente ao trabalho nos países lusófonos. Como área de actividade privilegiada, os voluntários da FEC, desde o ano 2000, ocupam-se sobretudo de promover a saúde e a educação.

Este tipo de voluntariado tem como característica própria uma grande relação de proximidade com as populações.

Neste ano de 2010, partiram para missões de cooperação e desenvolvimento trezentos e sessenta voluntários. Para além desta fundação, outras organizações da Igreja existem, fomentando a Lusofonia, tais como os “Encontros dos Bispos Lusófonos”, desde 1996, a “Associação Leigos para o Desenvolvimento (LD)”, a “Rede Europeia ONGD Jesuítas”, etc.

PUBLICAÇÕES

 

 

DICIONÁRIO

 

Elementos úteis para a formação de uma opinião sobre a Lusofonia, pró e contra, e a Língua Portuguesa estão contidos no Dicionário Temático da Lusofonia (Fernando Cristóvão, dir. e coord., Lisboa, Texto Editores, 2005). Trata-se de um Dicionário Enciclopédico de mil páginas informando sobre as mais variadas matérias respeitantes aos oito países e regiões lusófonas: colaborado por 530 colaboradores de vários países e cerca de 30 Universidades e Institutos, em 536 entradas que vão desde conceitos de linguística a matérias de História, Geografia, Literatura, Arte, Património, Bibliotecas, Sistemas Políticos, Forças Armadas, Desportos, Gastronomia, etc., etc.

OBRAS DE REFERÊNCIA

1975 – S. Neves, Para uma Crítica da Razão Lusófona, Lisboa, Universidade Lusófona.

1998 – Maria Helena M. Mateus (coord.), Uma Política da Língua para o Português (Colóquio), Lisboa, Colibri.

1999 – Eduardo Lourenço, A Nau de Ícaro, seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia, 2.ª ed., Lisboa, Gradiva.

2000 – Alfredo Margarido, A Lusofonia e os Lusófonos: Novos Mitos Portugueses, Lisboa, Universidade Lusófona.

2008 – Fernando Cristóvão, Da Lusitanidade à Lusofonia, Coimbra, Almedina.

2009 – José Filipe Pinto, Estratégias da ou para a Lusofonia?, Lisboa, ed. Profácio.

 


[1] Fernando Pessoa, in Joel Serrão (coord.), Sobre Portugal, Lisboa, Ática, 1978, p.229.

[2] Sílvio Romero, O Elemento Português, Lisboa, Companhia Nacional Editora, 1902, p.12.

[3] Agostinho da Silva, “Compostela – Carta sem prazo a seus Amigos”, Primeira de 1971, p.9.

[4] António de Nebrija, Gramática Castellana, Madrid, SGEL – Educación, 1992.

[5] Fernão de Oliveira, Gramática da Lingoagem Portuguesa, Lisboa, INCM, 1975, p.4.

[6] Ministério da Educação [Brasil], Diretrizes para o Aperfeiçoamento do Ensino/Aprendizagem da Língua Portuguesa, Rio/Brasília, Janeiro de 1986, pp.5-6.

[7] Montesquieu, De l’Esprit de Lois, Livre XV, cap.VII, Paris, Garnier-Flammarion, 1979, pp.394-395.

[8] Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala, 51.ª ed., revista. São Paulo, Global, 2006, pp.414-415.

[9] Celso Cunha, Uma Política do Idioma, Rio, Livraria São José, 1964, pp.34-35.

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