Maputo, 22 out (Lusa) – Em 21 imagens, o fotojornalista moçambicano Naíta Ussene resume numa exposição 40 anos de carreira e um bocado da história de um país que sangra, mas que não renuncia à esperança.
Em entrevista à Lusa, Naíta Ussene diz que também quis com a exposição “O Barro que nos Molda” mostrar que há um ser vivo, com paixões mundanas, por detrás de milhares de fotografias de grande valor noticioso que conseguiu em 40 anos de “clics”.
“Mostro cenas de pesca da minha terra Angoche, não para apenas mostrar os pescadores, mas para dizer que esta é também a minha paixão, além da fotografia”, explica Ussene, com os olhos arregalados quando a vez é de apontar às imagens da faina da terra natal.
A presença forte da pesca na exposição é também uma forma de salientar outro vício do decano do fotojornalismo moçambicano: a cozinha.
“Adoro cozinhar e a minha especialidade são os mariscos”, conta Naíta Ussene, que começou o fotojornalismo na icónica revista Tempo de Maputo e é agora editor fotográfico do semanário Savana, também da capital moçambicana.
Mas num país que vive em ciclos de violência, também se pode cozinhar por sofrimento, como um miúdo que Naíta Ussene fotografou a cozinhar ao lado de uma carruagem num improvisado centro de refugiados da guerra civil moçambicana de 16 anos, que terminou em 1992.
“Eu cozinho por prazer, por gosto, mas esta foto é de um miúdo que cozinha porque não há um adulto que possa cozinhar por ele. Como ele, há milhões de miúdos assim em Moçambique”, diz Naíta Ussene.
O tema da guerra também está patente numa outra imagem em que bagagens de militares que faziam escoltas a colunas de viaturas na principal estrada moçambicana “jazem” por baixo do “Jornal do Povo”, paredes pintadas a preto para serem usadas como veículos de informação dos tempos da revolução, que se seguiu à independência do país em 1975.
As carências sociais de Moçambique marcam a trajetória profissional de Naíta Usse. Na amostra, pode ver-se uma “bicicleta-ambulância” a transportar um doente na província do Niassa, norte, a mais pobre do país, e uma “carroça-ambulância”, puxada por bois, no distrito de Magude, sul, também a levar um enfermo.
Porque há “amor em tempo de cólera”, Naíta Ussene colocou na exposição a foto de um casal amigo que se mira fixamente com um olhar apaixonado, para dar cor, num conjunto de fotos a preto e branco, à ideia de que os moçambicanos não desistem de amar, nem da esperança.
Mas o “Barro que nos Molda” não é o pico da carreira de Naíta Ussene. Guardou o histórico encontro entre Samora Machel e Ronald Reagan na Casa Branca, em 1984, para um livro-álbum que está na forja.
O trabalho trará também o inesquecível encontro entre Samora Machel e Mikhail Gorbatchov no Kremlin. “Tive de contrabandear essa fotografia com a ajuda de um segurança moçambicano, para que não fosse confiscada pelo KGB, porque eles não queriam fotógrafos na sala”.
O registo do momento agradou tanto a Machel que ofereceu a Naíta Ussene um fato.
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