Fattú Djakité dá “sangue” para primeiro disco e roga por “casamento” entre Praia e Bissau

Praia, 19 jun 2023 (Lusa) – Fattú Djakité nasceu na Guiné-Bissau, aos cinco anos aterrou em Cabo Verde nos braços da avó adotiva, a música seguiu-lhe todos os passos, até dar “sangue” para o primeiro álbum e sonha agora com um “casamento” entre Praia e Bissau.

Aos 33 anos, Fattú Djakité sente-se realizada após lançar, em novembro de 2022, o primeiro álbum a solo, que lhe valeu os prémios de melhor intérprete feminina e música tradicional do ano na gala dos Cabo Verde Music Arares (CVMA), os prémios oficiais da música do país.

Mas nem sempre foi assim. As histórias de luta, superação e sacrifícios começaram logo que chegou à cidade da Praia, com a avó adotiva, seguindo-se períodos estranhos, em que viveu numa espécie de limbo, em que não sabia se era guineense ou cabo-verdiana, recordou à Lusa.

“Foi um período muito difícil porque chegas numa fase, numa bolha, em que tu não sabes quem és, porque cresci cá desde os 5 anos, mas nunca sentia que eu era de cá, e isso afetava-me um pouco. E fui para a Guiné e tratavam-me por cabo-verdiana, então eu questionava: eu sou o quê?”, perguntou a cantora, dizendo que acabou por perder um pouco da sua identidade.

“Porque quando tu não te afirmas, não aceitas aquilo que tu és na tua essência, ficas perdida”, completou, garantindo, entretanto, que já ultrapassou essa fase de indefinição, mas alertou que ainda há muitos guineenses com esse problema em Cabo Verde.

“Eu acho que não tenho que estar a explicar tanto para os guineenses porque é que eu falo o crioulo de Cabo Verde, nem ouvir os cabo-verdianos a dizer que eu sou mais guineense ou mais cabo-verdiana, porque já tenho um historial de vida em que não permito que as pessoas conotem, tu és mais guineense, és mais cabo-verdiana, eu sou Fattú Djakité, eu sou guineense e sou cabo-verdiana e ponto final”, vincou.

Mesmo com esses problemas pelo caminho, a cantora e compositora disse que nunca perdeu a sua “guinendade”, estando sempre perto da cultura da Guiné-Bissau, através da música, da gastronomia e de outras manifestações.

“Nunca perdi o contacto com o meu país de origem”, enfatizou, lembrando que a música faz parte da sua vida desde sempre – a avó contava que decorava todas as canções, dançava e também escrevia.

Com 18 anos, começou a fazer coros em músicas do denominado projeto Verão, que aconteceu entre 2000 e 2010, juntando várias artistas cabo-verdianos, surgindo logo a oportunidade para fazer o mesmo em palco, no festival de Areia Grande, em Santa Cruz.

“Foi aí que eu comecei a entrar no mercado, a começar a ganhar com isto, porque a minha avó nunca quis que eu fizesse música, a minha mãe também não queria, porque achava que era muito complicado uma mulher na música, mas eu queria a música”, assegurou, determinada.

“Praia – Bissau” é o título do disco, onde Fattú Djakité traz as suas lembranças da infância, as histórias que viveu, tendo regravado músicas que ouvia na época da guerra civil no seu país, e de compositores como Justino Delgado, José Carlos Schwarz, Zezé de nha Reinalda ou Djoy Amado, que compôs a faixa “I Ami De”.

“É a música que eu acho que traz aquele casamento que eu quero, que eu vejo, que é o sonho entre a Guiné e Cabo Verde, aquela irmandade, porque foi um cabo-verdiano que escreveu em crioulo da Guiné para eu cantar. E isso significa muito para mim”, salientou.

O primeiro álbum a solo é o sonho de Fattú Djakité. “Sinto-me muito, muito realizada, porque eu chorei, eu dei sangue para tirar este álbum, que gravei em 2017, no Brasil”, lembrou a mesma, sempre expressiva, de sorriso largo e fácil.

“Para mim significa muito, tirar o álbum agora, porque agora compreendo que tudo tem o seu tempo”, afirmou a cantora e compositora, que chegou mesmo a desgostar e a duvidar do trabalho. “Mas agora eu ouço este álbum e sinto um orgulho”, afirmou, notando uma evolução no seu percurso, em que já defende outras coisas e faz outras composições.

“Sou mais afirmativa naquilo que eu quero fazer, naquilo que eu quero mostrar”, traçou Djakité, muitas vezes com os pés literalmente no chão, num corpo que é música e dança e tradição entre os dois países que se consideram irmãos.

“Praia – Bissau” tem um “lugar especial” e o nome não foi escolhido por acaso pela cantora, num álbum que quer que seja mais um passo para o “casamento” entre os dois países, embora lamente que os guineenses não se sentem abraçados pelos cabo-verdianos, enquanto na Guiné-Bissau “os cabo-verdianos são venerados”.

Outro passo rumo ao “casamento” foi dado com os dois prémios nos CVMA, que agora está a saborear, embora só a nomeação já tenha sido marcante.

“É um passo muito importante, eu não estava à espera, acho que qualquer um dos nomeados podia ganhar, e o facto de ser uma filha da Guiné-Bissau pela primeira vez nomeada nos CVMA, para mim já estávamos a fazer história, senti que já estou a dar aquele passo para a Guiné e Cabo Verde”, constatou.

“Foi muito satisfatório, estamos a fazer história, porque além de ser filha da Guiné e de Cabo Verde, eu sou África, eu represento isso e as pessoas têm que aceitar”, asseverou a cantora, que em Cabo Verde também mantém as tradições guineenses nos trajes, considerando importante levar as suas raízes para os palcos dos dois países, bem como para o continente africano.

Agora que o mais difícil está feito, Fattú Djakité quer voar mais alto, e prometeu novos trabalhos para breve, em que vai falar sobretudo das mulheres, dos jovens e de vários problemas sociais, quanto mais não seja porque já é mãe de dois filhos, “outra responsabilidade”.

“Estou no meu caminho, no meu passo, a pesquisar, a estudar, antes não pensava quando escrevia, mas agora eu penso, mesmo que eu não escrevo, eu procuro os melhores compositores”, indicando, dizendo que um dos seus preferidos é o cabo-verdiano Princezito.

E nos novos trabalhos, prometeu igualmente ir “beber” na Guiné-Bissau, um país cheio de vida, de ritmo e de cores, que quer trazer para o mundo, antes de deixar um conselho a todos aqueles que também querem seguir carreira na música ou noutras artes ou áreas.

“Por mais que dure a tua caminhada, no início ouves muitas coisas, mas ninguém pode decidir isso, tu é que pode decidir isso, és o teu maior representante à face da Terra, então, se ouvires tudo o que as pessoas dizem nunca vais seguir o teu sonho”, afirmou na entrevista à Lusa, na Rua de Arte, em Terra Branca, bairro da cidade da Praia onde cresceu e onde se sente acarinhada por todos.

RIPE // JH – Lusa/fim

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