Famíliares choram massacre de Santa Cruz, em Timor-Leste, ainda sem corpos para enterrar

Díli, 11 nov (Lusa) – O fato cinzento-escuro, a camisa branca, os sapatos pretos polidos e a gravata às listas com desenhos geométricos parecem demasiado austeros para o jovem João Batista, que vai a enterrar 25 anos depois de ter morrido.

João Batista morreu a 12 de novembro de 1991, porventura exatamente no mesmo sítio onde hoje é recordado, baleado por soldados indonésios que nesse dia trágico para Timor-Leste (e nos seguintes) mataram quase três centenas de pessoas, num massacre que mudaria a história da luta pela independência.

Como aconteceu com os corpos dos restantes 74 jovens mortos em Santa Cruz – morreram 200 outros nos dias seguintes em Díli -, o corpo de João Batista desapareceu. Foi uma das 42 vítimas com menos de 17 anos.

“Não está aqui nenhum deles enterrado”, garante à Lusa José Mesquita, coveiro de Santa Cruz desde 1970. “Foram todos levados e metidos num buraco todos juntos”. Ninguém sabe bem aonde. “Talvez Ermera, ou assim”.

Num país onde os rituais fúnebres assumem particular importância, não poder ter um corpo para o funeral e enterro é difícil para as famílias.

“A família quer levar os restos mortais para a terra natal dele. Como não encontra os restos mortais, levam um símbolo em vez do cadáver”, explica Joana Ximenes, prima de João Batista e uma das cerca de dezena e meia de pessoas que está no pequeno velório.

“Ninguém sabe onde estão os corpos e por isso, segundo a cultura timorense, quando alguém faleceu e não se sabe onde estão os restos mortais, fazem uns rituais para depois levar o símbolo para a terra natal”, disse.

Como este é um velório e um funeral sem corpo, o que entrará no pequeno caixão castanho, forrado a cetim branco e que espera, aberto, sobre duas cadeiras verdes de plástico, serão algumas pedras do cemitério de Santa Cruz.

As pedras vão acompanhar a vestimenta que está disposta como se vestindo um corpo invisível, cuidadosamente depositada sobre um pano tradicional tais e este, por sua vez, sobre um pano branco com rendas, que tapam, os dois, uma mesa simples de madeira.

Ao fundo, os sapatos descansam sobre três cadeiras verdes. Por cima da gravata um terço de contas brancas e pretas. No topo uma fotografia emoldurada mostra João Batista, em pé, numa fotomontagem sobre uma bandeira de Timor-Leste ao vento.

No sábado, quando se cumprem 25 anos do massacre de Santa Cruz, João Batista vai voltar a ser relembrado, um dos nomes dos muitos timorenses que morreram por defender a independência de Timor-Leste.

“Relembramos o nome dele, a sua família. Ele não pode estar assim, sem ter um lugar fixo. Como está morto tem que ter um lugar fixo, com o nome dele, para dizer que existiu. E que depois de falecido tem o seu sepulcro”, sublinha Joana Ximenes.

João Batista terá o seu lugar fixo, na sua terra natal, Iliomar, na ponta leste de Timor-Leste.

De onde saiu para estudar em Díli há mais de 25 anos e para onde volta, a partir de sábado. Representado com pedras de Santa Cruz, o cemitério onde nem todos os mortos puderam ser enterrados.

ASP // PJA – Lusa/Fim

 

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