Praia, 01 fev (Lusa) – O escritor açoriano João de Melo reclamou hoje, na cidade da Praia, “a inocência histórica” da língua portuguesa, considerando que ela “nunca foi instrumento de dominação” nem “centro de colonialismo”, antes idioma de solidariedade entre povos lusófonos.
“Viajamos numa língua comum que nunca foi instrumento de dominação, nem centro de qualquer colonialismo básico, e muito menos de um império que nunca existiu. Reclamamos, pois, a inocência histórica da língua portuguesa”, disse João de Melo.
“Com ela, invocamos com solidariedade que se irmanou num sentimento fraterno dos povos, aquém e além de sistemas políticos e sociais”, acrescentou.
O escritor falava na sessão de abertura do IV Encontro de Escritores de Língua Portuguesa, promovido pela União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA), que entre hoje e quarta-feira junta mais de 30 escritores lusófonos na cidade da Praia, Cabo Verde.
Perante uma plateia com nomes consagrados como Germano de Almeida (Cabo Verde), Luís Carlos Patraquim (Moçambique) ou Luís Cardoso (Timor-Leste) e jovens como Dai Varela ou Chissana Magalhães (Cabo Verde), João de Melo evocou os “pensadores e praticantes de uma língua que pertence ao mundo e a quantos dela fazem e fizeram não um trofeu de guerra, mas um sítio, um lugar-comum, um espaço aberto a todas as vozes e a todos os sonhadores”.
Em declarações aos jornalistas, João de Melo defendeu que o grande desafio da língua portuguesa hoje “é a expressão da diferença como um grande valor”
“Temos que ter a humildade de conhecer, de aprender e de respeitar na pessoa do outro a sua diferença. Estando em Cabo Verde, temos muito mais para ouvir e para aprender do que para dizer ou para ensinar”, disse o escritor.
“Em todas as ex-colónias, hoje países independentes, a língua portuguesa tem uma expressão própria, não tem nada a ver com o português de origem e a incorporação na língua portuguesa de elementos das línguas locais, das línguas maternas de cada país, é um exemplo de abertura às outras línguas e ao uso que dela fazem e quem nela escreve”, sublinhou.
Na manhã do primeiro dia do encontro, houve ainda lugar a uma homenagem ao recentemente falecido poeta cabo-verdiano Corsino Fortes pelo também escritor cabo-verdiano Germano de Almeida.
“Recuso para Corsino Fortes a designação de defunto, porque ele vai continuar presente entre nós nos próximos séculos, através da impar obra que soube pacientemente construir e nos deixa como herança de inestimável valor”, disse Germano de Almeida.
O escritor, natural de Boavista, sublinhou o “evidente défice de reconhecimento” que continua a existir para aqueles que corporizaram através da escrita ou de outras manifestações culturais o “sentimento de nacionalidade [?] até desembocarem na independência em 1975”.
“Há toda uma plêiade de homens nobres a quem Cabo Verde deve deferência, respeito e homenagem. Somos um povo com história. E por isso seria importante sermos também um povo de memória”, disse Gemano de Almeida.
Corsino Fortes, falecido no passado verão, é considerado um dos maiores poetas cabo-verdianos e foi também o primeiro embaixador de Cabo Verde em Portugal.
No âmbito do encontro foi ainda apresentado o prémio Corsino Fortes, uma iniciativa da Academia Cabo-Verdiana de Letras e do Banco Comercial Atlântico, que visa distinguir de dois em dois anos obras inéditas de autores cabo-verdianos com prémio de 500 mil escudos (cerca de 4.500 euros).
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