Está, presentemente, a decorrer em Portugal e na internet em língua portuguesa uma campanha publicitária a um detergente para máquinas de lavar loiça cujo slogan ou frase curta que pretende ser apelativa ou convincente é “só a melhor pastilha põe tudo em pratos limpos.” O texto desta campanha inclui ainda a frase: “ninguém diz não a um bom tacho.” Curiosamente ambas as frases fazem referência direta a expressões idiomáticas da língua portuguesa bastante comuns: pôr ou colocar tudo em pratos limpos e ter ou receber um tacho.
A publicidade tem como objetivo ser memorável ou, melhor dizendo, passar uma mensagem que os seus destinatários retenham na memória e uma das estratégias frequentemente usadas para alcançar este objetivo é usar jogos de palavras ou recorrer a frases feitas ou até mesmo ditados atribuindo-lhes novos sentidos ou duplos sentidos. Numa tentativa de se tornar memorável, esta campanha publicitária recorre ao sentido denotativo ou melhor dizendo ao sentido literal das palavras, isto é ao uso de palavras em sentido preciso, habitual e comum de duas expressões idiomáticas da língua portuguesa.
No entanto, quando um português “de gema,” quer dizer uma pessoa nascida e criada em Portugal e tendo Português como a sua língua materna, ouve ou lê esta frase: “ninguém diz não a um bom tacho” a primeira leitura que faz está associada à expressão idiomática ou adágio popular ter ou receber um tacho que já tivemos ocasião de explicar no episódio 54.
Para além do sentido literal, a frase sugere também que é difícil recusar um benefício financeiro que nos seja oferecido não porque o merecemos mas devido a estarmos numa posição de poder exercer influência ou “ajudar” quem nos está a pagar. Considerando que a grande maioria das pessoas tem curiosidade em saber quem é que anda a receber dinheiro de forma ilegítima ou não merecida ou, por outras palavras, quem é que anda a receber um tacho esta campanha conseguiu o seu primeiro objetivo que é chamar a atenção dos consumidores. Uma vez captada a curiosidade do potencial comprador do produto, a campanha acrescenta-lhe um slogan curta e convincente que pretende tornar memorável a campanha: “só a melhor pastilha, põe tudo em pratos limpos.” E mais uma vez o texto joga com o sentido literal e idiomático das palavras. Por um lado sabemos que estamos a assistir a uma publicidade de detergente para máquina de lavar loiça mas por outro todos reconhecemos a expressão que é bastante mais frequentemente usada para exigir uma explicação clara e precisa ou para que se faça uma averiguação ou investigação sobre a veracidade de algo como nos seguintes exemplos:
Esta comissão parlamentar tem como objetivo pôr tudo em pratos limpos.
Antes que o voltassem a acusar de corrupção, ele decidiu pôr tudo em pratos limpos tornando pública a sua declaração de rendimentos e património.
Foi ótimo ter falado com ela pois assim ficou tudo em pratos limpos.
As negociações só podiam avançar quando tudo estivesse em pratos limpos.