Episódio 103 dar o dito por não dito

Então ainda se lembram das palavras “difíceis” do episódio da semana passada?

  1. bronzeado/a: tom de pele semelhante à cor do bronze provocado pela exposição direta ao sol
  2. branquear: tornar branco ou mais claro, sinónimo de aclarear
  3. formosura: o mesmo que elegância ou beleza
  4. trovão: ruído ou estrondo que acompanho um relâmpago durante uma trovoada
  5. padrinho: segundo a tradição católica, os pais de um bebé escolhem duas pessoas — um padrinho e uma madrinha: para, na sua ausência ou impossibilidade, protegerem o seu filho

O processo de aprender uma palavra não passa apenas por procurar o seu significado no dicionário, para que ela fique na nossa memória é preciso utilizá-la pois só desse modo estaremos, por um lado, a verificar se realmente compreendemos o seu significado e, por outro, a certificarmo-nos que a retemos na nossa memória. Voltamos a convidar-vos a enviarem uma mensagem com exemplos de uso das palavras.

O episódio de hoje é inspirado no seguinte diálogo que tivemos com uma das nossas ouvintes:

— Ó Cristina, nunca explicaste a frase dar o dito por não dito.
— Vais ter de morder a língua pois o que estás a dizer é mentira!!!!
Esse idiomatismo já foi referido e semi-explicado no episódio 53. Usámos a frase num dos exemplos que demos para o uso do ditado que estava a ser explicado naquele episódio. O exemplo era: “Durante a discussão do orçamento nenhum dos deputados perdeu as estribeiras, mas houve alguns que perderam o norte e começaram a dar o dito por não dito ou a meter os pés pelas mãos e dizer o contrário do que tinham dito ou a voltar atrás nas promessas eleitorais que tinham feito.”
Como fazemos muitas vezes nos nossos diálogos, usamos uma palavra ou uma frase e tentamos explicá-la para ajudar os nossos ouvintes a expandir o seu vocabulário.
— Tens razão acho que vou ter mesmo de morder a língua, dar o braço a torcer, voltar com a palavra atrás
— Estás mesmo empenhada em usar as expressões que conheces em Português, não estás? Mas apenas acertaste dois dos três idiomatismos que pretendeste usar na tua resposta…

Mas voltemos à vaca fria (ver episódio 56)! O significado da frase dar o dito por não dito é absolutamente literal: alguém afirma alguma coisas (que pode ou não ser verdade) e passado algum tempo diz o seu contrário porque o que tinha dito é mentira ou, simplesmente porque mudou de ideias e agora pensa algo diferente do que pensava na altura. Como no seguinte exemplo:

É frequente encontrar políticos que fazem muitas promessas para ser eleitos — também conhecidas como promessas eleitorais — mas depois das eleições dão o dito por não dito, voltam com a palavra atrás e não fazem absolutamente nada do que prometeram fazer.

No diálogo inicial também ouvimos a expressões morder a língua, dar o braço a torcer e ainda voltar com a palavra atrás. As duas primeiras são sinónimas e querem dizer que a pessoa deve retratar-se, ou melhor dizendo, admitir que errou e desdizer ou retirar o que disse ou reconhecer o erro que cometeu. Como nos seguintes exemplos:

Quem levantar falsos testemunhos contra o nosso presidente vai ser obrigado a morder a língua.

Eu disse que a namorada dela era antipática, mas fui obrigada a morder a língua quando a conheci e descobri que afinal ela era uma amor de pessoa.

O namorado dela é um convencido, acha que sabe tudo e nunca dá o braço a torcer em nada.

Por fim, o condutor do outro carro deu o braço a torcer e admitiu que tinha provocado o acidente porque estava a falar ao telemóvel enquanto conduzia.

Dar o dito por não dito quer dizer que em momentos diferentes, afirmamos coisas diferentes e em muito casos podemos dizer o contrário do que dissemos ou quebrar ou faltar a uma promessa que fizemos. Apenas nesta última aceção — quando dar o dito por não dito significa não honrar ou não cumprir uma promessa feita — esta frase é sinónima de voltar com a palavra atrás. Esta expressão quer dizer que alguém renunciou a uma promessa e consequentemente quer dizer o mesmo ou é sinónima de ser um vira-casacas.

No diálogo que ouvimos no início do episódio, a nossa ouvinte reconhece ou admite que estava errada e está corretíssima quando diz que tem de morder a língua ou dar o braço a torcer.

Como ela não quebrou nenhuma promessa, não pode dizer que voltou com a palavra atrás… Para esta expressão podemos apresentar os seguintes exemplos:

O meu pai disse-me que me emprestava o seu carro, contudo depois voltou com a palavra atrás e obrigou-me a vir de táxi.

Miguel prometeu casar-se com a Maria, mas quando conheceu Manuel voltou com a palavra atrás e casou-se antes com ele.

Num próximo episódio explicaremos a sentença ser um vira-casacas.

As palavras difíceis do episódio de hoje são:

  1. ace[p]ção: palavra cuja grafia foi alterada pelo Acordo ortográfico de 1990 e que é usada quando não queremos repetir a palavra significado.
  2. empenhado/a: adjetivo usado sobretudo pata descrever alguém que está com muita vontade de fazer ou alcançar algo mas que também pode descrever alguém endividado.
  3. morder: o mesmo que dar dentadas
  4. promessa: declaração feita por alguém descrevendo uma intenção de dar, dizer ou fazer algo
  5. torcer: o sentido literal deste verbo é mover em sentidos opostos as duas extremidades de um corpo

OUTRAS EXPRESSÕES MENCIONADAS
levantar falsos testemunhos
ser um amor de pessoa
ser um vira-casacas

Cristina Água-Mel, “Say It in Portuguese”
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