“Não vale a pena pensar que temos possibilidade de crescer nas instituições europeias. Enquanto língua de trabalho, o Português vai lentamente desaparecer”, disse ontem na Academia das Ciências de Lisboa o embaixador Francisco Seixas da Costa, num encontro para estimular e recolher contributos da sociedade civil para a promoção mundial da língua portuguesa. A II Conferência Internacional sobre a Língua Portuguesa no Sistema Mundial, para a qual o encontro de ontem – A Sociedade Civil no Plano de Acção de Brasília – serviu de antecâmara, deve realizar-se em Portugal em Novembro, disse Ana Paula Laborinho, presidente do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua.
A conferência de Novembro será uma avaliação do Plano de Acção de Brasília para a Promoção, a Difusão e a Projecção da Língua Portuguesa, adoptado pelos chefes de Estado da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em 2010 – seis pontos de acção que vão do ensino do Português no mundo ao inevitável acordo ortográfico, passando pelo uso da língua nas instituições internacionais. Sobre a força do Português nos corredores de Estrasburgo ou de Bruxelas, o representante permanente de Portugal na UNESCO e embaixador (cuja missão em Paris terminou esta semana) não vê como ultrapassar a actual língua franca, o Inglês, ou a recente força do Alemão, do Espanhol ou do Italiano.
“A língua portuguesa, não sendo uma língua menor no quadro mundial, é uma língua menorizada no quadro institucional”, disse. Há um “défice de afirmação do Português na governança mundial”, que até em organizações onde é a língua de trabalho oficial não é usado na prática. Mais optimista quanto à afirmação do Português no resto do mundo do que na União Europeia, Seixas da Costa sugere que os agentes políticos que trabalhem em cenários diplomáticos sejam instruídos a “usar o Português sempre que possível”, acções políticas de alto nível na ONU ou acções conjugadas dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e da CPLP.
Já o historiador José Pacheco Pereira está preocupado com “a tendência para tornar a língua gutural” – com menos palavras, algo que considera “pouco democrático”, evocando George Orwell, fruto da “simplificação publicitária, do marketing” ou dos usos nos SMS ou no Twitter. Convidado a falar sobre o uso do Português nos media, inquieta-o “a substituição da complexidade do pensamento por mecanismos de comunicação guturais e reduzidos à sua essência, um problema em que a comunicação social colabora para ser “moderna””.
Pacheco Pereira introduziu ainda um dos ruídos mais actuais na comunicação sobre o Português: o acordo ortográfico. “Uma típica medida de engenharia política”, “que não é desejado por ninguém” e que devia ser referendado, mais um elemento que agrava o “empobrecimento sucessivo” do Português e a “confusão” nos media.
A sala da Academia das Ciências preencheu-se ontem com algumas dezenas de investigadores, professores e outros profissionais ligados à língua, mas também políticos e ex-políticos portugueses e da CPLP para falar do Facebook, do Twitter, dos títulos dos jornais, de estatísticas sobre os mais usados, os mais falados ou os mais afastados da Internet ou das comunicações científicas. Do valor da língua para fazer negócios, dos 90 mil professores formados em Português e das 30 universidades com cursos permanentes de Português que a China pretende ter, segundo o administrador da Fundação Gulbenkian, Marçal Grilo. De ideias para agitar o “desassossego” da língua portuguesa, como descreveu Eugénio Anacoreta Correia, presidente do Observatório da Língua Portuguesa, que coordena a comissão de cerca de 20 entidades da sociedade civil que organizou a conferência.
FONTE: Público
Artigos relacionados: