Paris, 24 dez (Lusa) – A editora francesa Anne-Marie Métailié aposta há mais de 30 anos na publicação de autores lusófonos e foi pioneira na publicação de José Saramago e António Lobo Antunes em França.
Foi “uma luta” publicar autores que a França praticamente desconhecia nos anos 1980, mas “valeu a pena”, mesmo que Saramago e Lobo Antunes tenham, depois, ido para outras editoras.
“Não tinha muita gente, muitos jornalistas para falar da literatura portuguesa. Foi uma luta. Foi uma luta, mas valeu a pena (…) A editora era muito jovem. Foi fundada em 1979 para fazer ciências sociais e a literatura portuguesa foi logo no começo, depois da literatura brasileira. Num momento de dificuldades da editora, em 85, 86, os homens foram embora. Só ficaram no catálogo a Lídia Jorge e a Agustina Bessa-Luís. As mulheres foram fiéis”, explicou, em português, a editora.
Apesar de os ter acompanhado na entrada do mundo editorial francês, Anne-Marie Métailié não ficou chateada com José Saramago nem com António Lobo Antunes quando a trocaram por editoras maiores e ficou amiga de Saramago, “charmoso, tão agradável, divertido, muito respeitoso do trabalho”, com quem falava em português porque “ele aceitava” o seu “sotaque brasileiro”, lembrou, com um sorriso.
“Com Lobo Antunes tudo era mais complicado, mas eu tinha uma admiração muito grande pela obra dele. A Lídia Jorge é outra coisa porque a gente ligou-se numa amizade muito forte (…) Os Memoráveis, o último livro que publicámos, é um livro muito importante, politicamente é importante, literariamente é importante. Je l’aime!”, resumiu, entusiasticamente.
Quanto a Agustina Bessa-Luís, de quem publicou nove títulos, Anne-Marie Métailié fala em “génio” que escreveu “grandes clássicos da literatura mundial”.
“Antes desse Nobel [de José Saramago], estava na Coupole almoçando com a Agustina. Um jornalista veio perguntar ‘Quem vai vencer o Nobel, o Lobo Antunes ou o Saramago?’ Ela olhou para ele e disse: ‘Eu. A única que merece o Nobel sou eu’”, recordou.
Anne-Marie Métailié foi a primeira a publicar em França, em 1987, “Le Dieu Manchot” (“Memorial do Convento”) de José Saramago e, em 1998, quando o autor português venceu o Prémio Nobel da Literatura, a antiga editora estava na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, a passar no ‘stand’ de Portugal no instante em que se soube a notícia.
“Vi uma coisa tão linda, tão linda porque todos os autores estavam muito comovidos, estavam felizes de ver que um autor deles era consagrado assim. A Lídia Jorge estava a chorar de alegria. Toda a gente estava feliz. Era uma festa”, contou.
Ao lado de Pierre L’Église-Costa, diretor literário da coleção “Bibliotèque Portugaise” das Éditions Métailié, Anne-Marie publicou seis romances do angolano José Eduardo Agualusa e quatro do moçambicano Mia Couto, tendo ainda editado, no ano passado, “Os Transparentes” do angolano Ondjaki em nome do seu gosto pelas “variações em torno dos idiomas”.
“Acho que a língua portuguesa original é uma língua muito forte e o que se faz com a língua portuguesa nos países como Angola, Moçambique ou Brasil é muito interessante. O português vem com uma carga de imaginação, de imaginário, que é muito particular. Ler em português abre mais a minha imaginação que qualquer outro idioma”, explicou.
Anne Marie Métailié apaixonou-se pela língua portuguesa através do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis, que descobriu na primeira aula de português que teve na Sorbonne e que publicou em 2015.
“O método de ensino de português do professor Boisvert era bem particular. A gente não estudava assim como se faz agora, as frases que você repete… A gente pegou o Machado de Assis, Dom Casmurro, na página 1. A gente ficou a ler, a destrinçar, a gente ficou avançando no romance e no final a gente falava português”, contou.
A editora, que também publicou, em francês, obras de Valter Hugo Mãe, Jorge de Sena, Pedro Rosa Mendes, Rui Zink, Eduardo Lourenço, entre muitos outros, foi receber, a 27 de outubro, a Ordem do Infante Dom Henrique na Embaixada de Portugal em Paris.
Além de escritores lusófonos, Anne-Marie Métailié publica, ainda, nomes da literatura latino-americana, islandesa, escocesa, alemã, espanhola e italiana, excluindo autores norte-americanos porque quer “fazer conhecer outros modos de pensar, outros modos de sentir o mundo”.
Em 2017, as Éditions Métailié vão publicar “A Rainha Ginga” de José Eduardo Agualusa e “As Mulheres de Cinza” de Mia Couto, esperando também editar em francês uma nova obra de Valter Hugo Mãe.