Paris, 01 jul (Lusa) – Para marcar o seu 25º aniversário, a editora francesa Chandeigne publicou o catálogo das suas obras, no qual figuram traduções de romances de Mia Couto, Valério Romão, Suleiman Cassamo, João Guimarães Rosa e várias crónicas dos Descobrimentos.
O catálogo da editora especializada na lusofonia tem “247 títulos”, havendo atualmente “uma média de dez ou doze novidades por ano”, contou à Lusa a franco-portuguesa Anne Lima, diretora das Éditions Chandeigne, a casa que fundou, em 1992, com o livreiro francês Michel Chandeigne.
“O que eu digo, muitas vezes, é que somos generalistas numa especialidade. A especialidade é a lusofonia, e generalistas porque temos livros de literatura, temos livros de ciências humanas, temos livros infantojuvenis, des ‘beaux livres’, ou seja, livros de arte e alguns livros para um público mais largo”, descreveu a editora.
Inicialmente especializada nas crónicas de viagem da época dos Descobrimentos e em romances de escritores lusófonos, as Éditions Chandeigne passaram a editar poesia, livros de arte e livros infantojuvenis, concebidos no seu próprio atelier e reunidos em várias coleções, como a Biblioteca Lusitana, a Coleção Magellan e a Coleção Magellan de bolso, a Série Ilustrada e a Série A6, assim como as coleções Penínsulas e Grandes Formatos.
Entre os destaques do catálogo, Anne Lima apontou a “edição de referência sobre Fernão de Magalhães”, “Le Voyage de Magellan (1519-1522). La relation d”Antonio Pigafetta & autres témoignages”, e “um dos ‘best-sellers’ da editora”, que foi “reeditado mais de dez vezes”, o livro “Européens et Japonais – traité sur les contradictions et différences de moeurs”, do padre Luís Fróis, um jesuíta português que foi ao Japão no século XVI.
Anne Lima mencionou, ainda, a tradução de “A Aventura das Plantas e os Descobrimentos Portugueses”, de José Eduardo Mendes Ferrão, e “O Autismo”, de Valério Romão, finalista do prémio literário francês Femina 2016, assim como a tradução de “Os Maias”, de Eça de Queiroz.
Atualmente, as Éditions Chandeigne estão a preparar, entre outras, a tradução de “Da Família”, de Valério Romão, e vão publicar, em setembro, a tradução de “Sim Camarada!”, do escritor angolano Manuel Rui, e estrear-se nos policiais com o lançamento, em outubro, de “Mort sur le Taje”, do português Pedro Garcia Rosado.
Além de autores portugueses, há obras de referência de escritores brasileiros como Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa e Luiz Ruffato, de moçambicanos como Mia Couto e Suleiman Cassamo e uma antologia de textos dos autores cabo-verdianos Manuel Lopes, Baltasar Lopes, António A. Gonçalves e Henrique Teixeira de Sousa, entre muitos outros nomes do universo lusófono da literatura.
A editora tem como “vitrina” a Librairie Portugaise & Brésilienne, na Place de l’Estrapade, em pleno Quartier Latin, em Paris, que foi criada há 31 anos por Michel Chandeigne, um francês que foi professor de Ciências Naturais em Lisboa, que fez expedições à procura de meteoritos no Brasil, que foi observador da ONU em Moçambique, e que viajou e trabalhou em Cabo Verde e Goa.
Anne Lima conheceu Michel Chandeigne nas aulas de Ciências Naturais, em Lisboa, e manteve o contacto com o professor quando se mudou para Paris, tendo decidido avançar com a editora quando perdeu o emprego de consultora em marketing – “e ainda bem” – e pôde beneficiar de um apoio à criação de empresas.
Entre as primeiras obras publicadas, estão a tradução de “A História Trágico-Marítima” (1992), uma coleção de “relações” de naufrágios ocorridos no século XVI com navios portugueses, “La frontière (récit) & les azulejos du palais Fronteira” (1992), de Pascal Quignard, e os dois primeiros livros da coleção “Bibliotèque Lusitane”, “La Littérature Portugaise” (1995) e “Camões. L’oeuvre épique & lyrique” (1995).
Tanto a editora quanto a livraria têm “resistido” ao mercado da edição em França, graças a “uma gestão bastante sã” e a uma abertura do mundo lusófono ao “mundo inteiro”, continuou Anne Lima.
“O mundo lusófono, para nós, quer dizer o mundo inteiro. As pessoas que vêm aqui vêm pelo interesse pela língua portuguesa, pela literatura portuguesa, mas também por uma história, por uma civilização portuguesa, africana, brasileira que abrange o mundo todo”, explicou.
Apesar do desaparecimento, há alguns anos, da Librairie Lusophone, também no Quartier Latin, em Paris, e do agora anunciado fim das Éditions La Différence, com um catálogo de autores portugueses, a Librairie Portugaise & Brésilienne assim como as Éditions Chandeigne têm alimentado o “interesse” do público francês pela lusofonia.
Anne Lima sublinhou que, em 1986, quando da abertura da livraria, “havia cerca de 20 ou 30 títulos traduzidos” e hoje são “cerca de 900”, e que houve “uma política portuguesa e brasileira de apoio à tradução”, paralela a um apoio francês.
“É evidente que, comparado com livros traduzidos do inglês, que venham de Inglaterra ou dos Estados Unidos – em que há, logo assim, um ‘a priori’ positivo da imprensa e dos livreiros que ficam num tipo de provincianismo um bocado francês – é mais difícil defender uma literatura lusófona”, afirmou.
Algo que, na sua opinião, “é completamente absurdo”, porque “há uma literatura portuguesa – ainda por cima a atual jovem literatura portuguesa – muito interessante e muito dinâmica”, sendo necessário fazer “pedagogia junto dos livreiros para perceberem que há tanto interesse em vender literatura lusófona como anglófona”.