“É a falar que a gente se entende” 3 de Janeiro, 2016 A História de qualquer país faz-se de aparentes pequenos momentos cuja dimensão só mais tarde se percebe. As banais conversas do dia a dia são um desses detalhes. Basta olhar para o português, uma língua que há séculos partiu da Europa para se espalhar pelo mundo — o seu estudo permite perceber a afirmação do país como potência europeia e também o seu declínio. Do mesmo modo, quando dentro de séculos se ensinar a influência da comunidade latina nos EUA, essa lição terá de incluir os quase 60 milhões de americanos que em casa falam espanhol. Na etapa mais recente da cronologia histórica da miscigenação do povo português é preciso olhar para os que todos os dias cruzam os seus idiomas maternos, como crioulos e línguas eslavas, com o português, transformando o país num enorme mosaico linguístico. “Em Portugal, além do português, fala-se essencialmente crioulo de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de São Tomé, línguas eslavas, fruto da imigração dos países de Leste, chinês e urdu [do Paquistão]”, diz o linguista João Veloso, presidente da Associação Portuguesa de Linguística. Através de cada língua é possível encontrar um fluxo de imigração. E o português é o elo que as une. Tanto cá como noutros países, de onde passou de língua imposta pelo colonizador a unidade de uniformização e compreensão entre os povos de uma nação. “O português convive bem com outras línguas noutros territórios. Não está em risco. É, antes, um fator de união, como em Moçambique, onde há milhares de línguas e o português é a única que todos os moçambicanos entendem”, continua João Veloso. No permanente intercâmbio de idiomas, é natural que muitos dos 2825 moçambicanos em Portugal sejam fluentes em emakhuwa, a segunda língua mais falada no país de origem (25, 3%). E que os 42.011 cabo-verdianos em Portugal tenham passado aos seus filhos o crioulo. O mesmo com os imigrantes de Leste e os asiáticos, de resto à semelhança do que há décadas os emigrantes portugueses fazem em França e na Alemanha. A relação entre a geografia e a língua não se esgota nos fenómenos migratórios. A mescla entre português e espanhol, na fronteira entre o Brasil e o Uruguai, deu origem a um dialeto típico. Num mundo onde as pessoas sentem cada vez maior necessidade de estarem ligadas e onde crescem as ferramentas para estarem permanentemente em rede, é fundamental (e até, dirão alguns, inevitável) que falem a mesma língua. No Portugal globalizado, onde existem legendas nos filmes em vez de dobragens e música anglo-saxónica a passar na rádio todos os dias , o inglês vence o campeonato dos idiomas estrangeiros: ao todo há 648.376 jovens em idade escolar a aprendê-lo como segunda língua. Os números do Ministério da Educação, do ano letivo de 2013/14, mostram que logo a seguir vem o francês, com 216.430, e só depois o espanhol, com 84.726. Menos numerosos são os estudantes de alemão, mandarim e outras línguas. Necessidade ou estatuto são expressões subjacentes ao ser fluente num segundo, terceiro ou quarto idioma. Um estudo da Universidade Olivet Nazarene (EUA) revela que é também pelos idiomas que se pode verificar a estratificação social. Na Líbia e na Jordânia, por exemplo, o inglês é falado entre as classes mais educadas e escolarizadas. A perspetiva do aumento de falantes maternos aguça o interesse dos países. Não é à toa que na China, no ano passado, abriram mais 25 cursos de português, o idioma que oscila, consoante os estudos, entre os primeiros lugares da tabela dos mais falados. E, segundo a ONU, a tendência é para chegar aos 361, 8 milhões de falantes de português em 2050. Tal como os políticos descobriram o mar como moeda de riqueza, pode ser que corram o risco de descobrir… o português. “Tem um potencial enorme. São 250 milhões de falantes, o que equivale a 3, 7% da população mundial e a 4, 4% da riqueza. Entre 1983 e 2013, o número de alunos a aprender a língua tem vindo sempre a crescer”, diz Manuela Anacleto Arroja, do Instituto Camões. Sem receios de desagregação com o português falado no Brasil, os especialistas garantem que é um idioma do futuro. Longe de ser vista como uma língua demasiado difícil para ser considerada franca, estará mais facilmente ao alcance dos países eslavos. “São países que têm uma estrutura sintática mais aproximada da nossa”, explica Edviges Ferreira, da Associação de Professores de Português. É uma nova Torre de Babel que cresce mais um pouco a cada dia. Texto originalmente publicado na edição de 11 de julho da Revista E. Fonte: Expresso Por favor deixe este campo em brancoSubscreva as nossas informações Endereço de email * Verifique na sua caixa de correio ou na pasta de spam para confirmar a sua subscrição. TAGS: línguas