Lisboa, 04 dez 2023 (Lusa) – O constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia classificou a decisão do Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, de dissolver o parlamento da Guiné-Bissau, hoje anunciada, como “inconstitucional, inválida e sem força jurídica”.
“Eu julgo que a decisão do Presidente da República [da Guiné-Bissau] não é correta. É uma decisão inconstitucional, porque viola o artigo 94.º da Constituição. O artigo diz que o parlamento não pode ser dissolvido no período de um ano após a sua eleição”, afirmou à agência Lusa Bacelar Gouveia.
O constitucionalista referia-se ao facto de a Guiné-Bissau ter realizado eleições legislativas em 04 de junho passado.
“A atual legislatura começou com a eleição, que foi em junho. Ainda não se completou um ano. Portanto, a Constituição impede, proíbe, o Presidente da República de dissolver o Parlamento e, portanto, assim sendo, o ato presidencial é um ato inválido e não pode produzir efeitos jurídicos”, reiterou.
Jorge Bacelar Gouveia acrescentou que perante a decisão hoje anunciada por Sissoco Embaló “até pode levantar-se a questão de os tribunais poderem sindicar e fiscalizar a validade deste ato que, como disse, é inválido”.
“Mas, além do mais, estranho muito esta decisão no contexto do que está a ocorrer, numa tentativa de um desaguisado há uns dias, porque não me parece que politicamente se resolva um problema de insubordinação ou de ilegalidade com a dissolução do parlamento, porque o parlamento não tem nada que ver com este problema”, frisou.
Para Jorge Bacelar Gouveia, se há um problema de instabilidade ou de atos que foram praticados, atos ilegais contra as forças da ordem ou contra pessoas, é preciso acionar os mecanismos da ordem.
“Ora, o parlamento não tem nada a ver com isso e não me parece que seja uma boa ideia estar a misturar o parlamento com outro tipo de problemas”, disse o constitucionalista.
“Além do mais, politicamente, nem sequer consigo perceber bem o fundamento desta decisão que, como disse, juridicamente não tem ponta por onde se pegue, porque é uma decisão inconstitucional”, destacou.
Para o constitucionalista, além de “ter sido violado o prazo de 12 meses (…), quando se decreta a dissolução de um parlamento é sempre obrigatório marcar logo as eleições que ficam previstas para recompor o parlamento”.
“Portanto, não é de dissolver o parlamento, deixar um vazio, até que, a certa altura, num momento qualquer posterior, o Presidente da República que dissolveu depois marca eleições para se fazer a recomposição do parlamento”, especificou.
“O princípio geral é o de que quando há um ato de dissolução, também no mesmo ato tem que estabelecer expressamente nova data para as eleições legislativas, uma vez que o parlamento é um órgão essencial da democracia e não pode estar numa situação de serviços mínimos ou de quase vazio, porque isso também põe em causa a própria subsistência da democracia, porque o parlamento é um órgão essencial a um Estado de Direito democrático”, afirmou.
“Eu lamento muito, como amigo da Guiné-Bissau e como conhecedor do seu Direito Constitucional, lamento muito o que se está a passar. Penso que isto vai complicar a situação na Guiné-Bissau, que nós já sabemos que tem uma história atribulada nos últimos anos e tínhamos a esperança de que, de facto, as coisas tivessem acalmado e tinha havido uma esperança de que as coisas agora iriam ser cumpridas, iam ser respeitados os trâmites condicionais na vida política e, pelos vistos, não é isso que está a acontecer, pelo menos com esta decisão”, adiantou.
Jorge Bacelar Gouveia concluiu com um apelo: “Faço aqui um apelo também aos intervenientes e em particular ao senhor Presidente da República, que eu estimo, mas que naturalmente revogue este decreto presidencial, porque é manifestamente inconstitucional e até pode correr o risco de ser desobedecido por parte do parlamento, que pode entender que o decreto é inexistente e pura e simplesmente manter se em funções como se a dissolução não existisse, porque, na verdade, ela é inválida e não produz força jurídica”.
O Presidente Umaro Sissoco Embaló anunciou hoje a dissolução do parlamento, justificando a decisão com a grave crise institucional no país, na sequência de confrontos entre forças de segurança, que considerou “um golpe de Estado”.
EL // MLL – Lusa/Fim
Foto de destaque: Eleitores guineenses, 04 junho 2023. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA