Senhor Secretário-Executivo da CPLP, Embaixador Murade Murargy
Senhor Presidente Jorge Sampaio
Senhoras Embaixadoras, Senhores Embaixadores,
Minhas Senhoras, meus Senhores,
Meus amigos
Depois de haver tido a honra e a satisfação, na área da Lusofonia, de receber o Título de Cidadão Honorário da Cidade Velha de Ribeira Grande, declarada Património Mundial pela UNESCO; de ser agraciado pelo Movimento Internacional Lusófono, em 1999, como Personalidade Lusófona do Ano; e de ser condecorado com a Gran-Cruz da Ordem de Rio Branco de meu país e a Gran-Cruz da Ordem do Infante D.Henrique, nada poderia me dar maior satisfação que ser escolhido, pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, para receber o Prêmio José Aparecido de Oliveira. E esta satisfação fica ainda acrescida pelo privilégio de estar, ex aequo, em companhia de duas personalidades credoras de minha constante e fiel admiração, como o Presidente Jorge Sampaio, e o meu amigo Carlos Lopes. Do Presidente Sampaio, aliás, tive a honra de receber a comenda do Infante D. Henrique, em 2001, depois de comandar por três anos a Comissão Nacional para as Comemorações do V Centenário do Descobrimento do Brasil, e com Carlos Lopes tive o gosto de privar em seu tempo de Chefe do Escritório do PNUD em Brasília, e eu no comando da ABC, Agência Brasileira de Cooperação.
Gostaria pois de transmitir o meu mais profundo agradecimento aos Senhores Embaixadores junto à CPLP, e a seus respectivos Governos, por esta distinção que muito me honra e envaidece.
Minhas Senhoras, meus Senhores,
Falar de José Aparecido de Oliveira, de quem tive o privilégio de ser amigo, é falar de idealismo, de luta obstinada, de devotamento a uma causa, de inesgotável capacidade de articulação. Falar de José Aparecido, é falar de sua crença na Lusofonia e de sua batalha pioneira pela criação de um organismo internacional, que pudesse congregar os falantes da Língua Portuguesa. Na verdade, seria a criação, segundo ele mesmo, de um marco jurídico para enquadrar uma realidade preexistente, um imenso e rico património que se foi forjando ao longo de cinco séculos de um convívio e um diálogo inter-cultural e inter-étnico É evidente, que o conceito de Lusofonia não se esgota na Língua, e muito menos se esgotaria em um organismo multilateral criado pelos países que a falam. O espírito e o idioma da Lusofonia espraiam-se por um universo não delimitado por fronteiras nacionais, alcançando rincões longínquos, marcados pela presença da diáspora de nossos países. Mas não há dúvida de que a Língua Portuguesa, esse extraordinário património imaterial, essa hoje notável construção conjunta de todos nós, constitui sem dúvida o lastro, a base, o alicerce não apenas de um organismo concreto como a CPLP, mas do próprio fenómeno imaterial a que damos o nome de Lusofonia, fenómeno in fieri, em permanente evolução, que teve um dia para começar mas não data para acabar.
Ao prefaciar o recém-publicado Novo Atlas da Língua Portuguesa, o Professor e Ministro Augusto Santos Silva lembra que nosso idioma é “pluricontinental e policêntrico. Sendo a mesma língua, é falada e escrita de formas diferentes, correspondendo a histórias, patrimônios, vizinhanças linguísticas, estruturas gramaticais, pragmáticas, referências culturais e usos sociais diferentes. Compreende, pois, múltiplas variantes; é uma realidade dinâmica e multiforme. Todas as variantes dispõem de igual valor. Não há um “centro” para a língua portuguesa; ela não possui só uma norma padrão, nem ninguém pode, sobre ela, invocar direitos especiais de propriedade. É essa língua ampla, viva e pluriforme que é falada por 260 milhões de pessoas e que será falada por cada vez mais pessoas em todo mundo”.
José Aparecido de Oliveira era da mesma opinião. Em depoimento ao jornalista e seu biógrafo luso-brasileiro José Alberto Braga, recorda que “já no Governo do Presidente Jânio Quadros, quando da fundação da Universidade de Brasília, Darcy Ribeiro, seu responsável, convocou para ajudá-lo um grande professor português, Agostinho da Silva, talvez o maior filósofo da língua do nosso tempo. Eu fui justamente para Brasília nessa época, em 1961. A pedido do professor Darcy Ribeiro, com a colaboração dos professores Agostinho da Silva e Eduardo Portela, e com o apoio de Jorge Amado, fundamos o Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos. Aliás, no convívio com Agostinho da Silva, fortaleceu-se a minha convicção da necessidade de uma Comunidade de Nações que reunisse todos os que falamos a língua portuguesa. Primeiro, foi preciso esperar que as nações africanas se desembaraçassem do estatuto colonial. Depois, e infelizmente, a Revolução dos Cravos nos encontrou, os brasileiros, sob um regime ditatorial e tivemos que esperar a redemocratização. Em seguida, Angola e Moçambique passaram por anos e anos de martírio, através da guerra civil. Tudo isso, como não podia deixar de ser, protelou o nosso entendimento comunitário”.
Com referência à edificação dos alicerces da futura CPLP, ele lembra que ao assumir o cargo de Secretário da Cultura de Minas Gerais no Governo Tancredo Neves, criou uma Assessoria da Cultura Negra. Mais tarde, enquanto Governador de Brasília por mais de três anos, replicou a iniciativa, entregando a Assessoria ao Professor Carlos Moura. Com a redemocratização do país, assumiu o cargo de Ministro da Cultura, quando organizou em São Luiz do Maranhão, no dia 3 de novembro de 1989, o primeiro encontro dos Chefes de Estado dos Países de Língua Portuguesa, ocasião em que se assinou o ato constitutivo do IILP, o Instituto Internacional da Língua Portuguesa. Mais tarde, afirmaria ele que “quem tem mais de 200 milhões de homens falando uma língua, e em todos os continentes, tem por certo uma afirmação de força e de poder na cena internacional. E esta importância é que permitiu a instituição da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”.
Por outro lado, não desconhecia o Embaixador Aparecido os imensos obstáculos que deveriam ser enfrentados pelo novo organismo, que completa agora vinte anos de vida. Sabia que as diferenças e assimetrias fariam parte do perfil e do cotidiano da CPLP, criando inúmeros desafios para a concretização das metas estabelecidas nas suas três áreas básicas de atuação. Entretanto, reconheçamos que a Organização, embora congregando países com diferentes dimensões físicas e económicas, sociais e populacionais, está hoje consciente de que a concertação entre Estados tão assimétricos é não apenas viável, como essencial e mutuamente vantajosa. Se por um lado as diferenças pressupõem ajustes e acarretam eventuais atrasos na execução de projetos, o lastro histórico e linguístico termina por aproximar os atores e colaborar para a identificação de um somatório natural de afinidades e consequentes formas inventivas de cooperação.
Impõe-se, ademais, reconhecer que a opinião pública dos países que compõem a CPLP pouco sabe em geral a seu respeito, e menos ainda a respeito de sua atuação. Essa lacuna começa agora a ser preenchida, com a crescente – e absolutamente necessária – participação da sociedade civil. Enquanto não multiplicarmos o número de cidadãos que se sintam realmente partícipes desse universo lusófono, teremos apenas uma reunião de Estados e não de povos, objetivo último de nossa Comunidade. Entretanto, com a crescente ampliação do quadro de Observadores Associados e, sobretudo, o de Observadores Consultivos (que já conta com dezenas de importantes instituições científicas e culturais dos países membros), das Reuniões Setoriais de nível ministerial, do funcionamento da Assembleia Parlamentar e da Confederação Empresarial, das iniciativas visando facilitar e estimular a circulação de ideias, bens, pessoas e investimentos, é lícito esperar-se que a CPLP desenvolva uma fase mais rica e promissora, ampliando sua área de atuação internacional e estreitando cada vez mais os laços pessoais e institucionais no espaço lusófono. Mas não nos esqueçamos nunca de que a CPLP, em última instância, somos nós, e que portanto ela será sempre aquilo que nós queiramos que ela seja. Não há uma CPLP fora de nós, Países Membros, e sua trajetória dependerá sempre de nossa vontade política.
Estamos dispersos pelos Continentes, mas tudo nos une, inclusive o mar, que nunca nos separou. Um passado comum nos une, a Língua nos une de modo inequívoco, além de constituir hoje um poderoso instrumento de cultura, de conhecimento, de comunicação e de reconhecido valor econômico. Poderíamos agora acrescentar, com apoio em estudos realizados pelo Observatório da Língua da Portuguesa, que “como língua materna, o português é a que apresenta hoje o maior crescimento em todo mundo, bastante superior ao do espanhol e do inglês. Já é atualmente a terceira língua mais falada do ocidente, a primeira do hemisfério sul e quarta de todo o mundo. No final deste século, segundo a ONU, terá cerca de meio bilhão de falantes. Com 260 milhões de usuários, Angola e Moçambique farão do Português uma das línguas dominantes do continente africano, ao lado do Inglês e do Árabe”.
O poeta brasileiro Olavo Bilac já antecipava, há mais de um século, que “A Pátria não é a raça, não é o meio, não é o conjunto dos aparelhos económicos e políticos: é o idioma criado ou herdado pelo povo”. Mais tarde, era Fernando Pessoa a proclamar que “Minha Pátria é a Língua Portuguesa”. E fazendo eco à expressão de José Eduardo Agualusa, para quem nossa língua é hoje resultado de uma construção conjunta, Mia Couto retoma e complementa Pessoa, ao dizer que “Minha Pátria é a minha Língua Portuguesa”. O que realmente importa é que de Camões e Gil Vicente a Machado de Assis e Guimarães Rosa; de Fernando Pessoa a Carlos Drummond de Andrade e José Saramago; de Jorge Barbosa a Craveirinha e Pepetela; de Luandino Vieira a Agualuza e Mia Couto, a nossa Língua é uma só, em todas suas variantes, que só a fazem enriquecer.
“Língua – como escreveu Miguel Torga, em mensagem enviada no momento de formação da nossa CPLP – língua nascida numa Pátria exígua territorialmente, mas que ela alargou aos cinco continentes, graças ao seu dom expressivo e proteico, que lusitanizou, brasilizou e africanizou terras e almas. Grácil e subtil logo no berço, em breves cantigas de amor ou de maldizer, ao cabo de oitocentos anos, não só conserva o viço inicial, como floresce dia a dia em sambas, modinhas, mornas e obras literárias de largo fôlego. Não há ritmo de verso de que não seja capaz, arroubo épico para que não tenha alento, andamento narrativo a que não saiba dar balanço. (…). E completa, comovido, o grande poeta do Douro:
“Exaltar e promover esse patrimônio sagrado é mais um dever imperativo de povos que o destino quis que fossem de irmãos miscigenados; e é como membro orgulhoso da nossa família multirracial, e é como garimpeiro nos aluviões do idioma materno, que faço votos para que todos sejamos seus firmes defensores e dignos merecedores da glória de o servir”.
Como o foi, acrescento eu, José Aparecido de Oliveira.
E que assim seja!
Muito Obrigado!