Os Adamastores da Língua Portuguesa
Neste Fórum em que a Língua Portuguesa é o tema central e objecto das nossas preocupações, começo por citar a frase de um escritor moçambicano – Mia Couto – que usa a língua portuguesa como o veículo transmissor da sua cultura e da sua criatividade. A frase é simples, mas de um grande alcance universal – “o mar foi ontem o que o idioma pode ser hoje, falta vencer alguns Adamastores”. Parafraseava o autor uma forte e bela imagem literária, criada por Luís de Camões, querendo significar as grandes dificuldades que as naus portuguesas sofreram na descoberta desse mar que “naufrágios e perdições de toda a sorte” causavam a quem se aventurava na sua conquista. A figura do Adamastor chegou até aos nossos dias como o símbolo mítico e utópico dos obstáculos que é preciso vencer quando desejamos algo de muito importante.
E, neste contexto, quem são os Adamastores de hoje? Que desejamos atingir e onde queremos chegar?
Quem funciona como Adamastor, face à Língua Portuguesa, neste início do século XXI? Cada um poderá encontrar várias respostas não só dentro de si próprio como no âmbito do nosso viver colectivo, nacional e global.
Muitas vezes preferimos a língua dos outros à nossa própria, verificando-se esta atitude em altos responsáveis técnicos e políticos, dando um sinal de menosprezo pela língua que é nossa; admiramos os heróis internacionais, esquecendo a história nacional e a necessidade da sua divulgação; aplaudimos entusiasticamente os autores e a literatura do estrangeiro, assumindo alguma passividade perante a cultura nacional e os autores de língua portuguesa.
Assistimos, também, em alguns países da CPLP, nomeadamente na Guiné-Bissau, Moçambique, S. Tomé e Príncipe e Timor-Leste a um cerco, principalmente económico, mas que pretenderá também uma influência/domínio linguístico e cultural. E é fundamental não esquecermos a globalização da informação e o que isso comporta no referente a um maior domínio das línguas universalmente maioritárias e/ou com largo peso no mundo: a título de exemplo referimos o francês que é uma língua menos falada do que o português, mas com um estatuto superior nos fóruns e organizações internacionais.
A Língua Portuguesa usada por cerca de 240 a 250 milhões, língua oficial e de ensino de oito países e falada, ainda, por uma largo número de comunidades migrantes espalhadas pelo mundo, tem, como vimos atrás diversas ameaças, os seus (aqueles e outros) “Adamastores”, ou, ainda, “perplexidades” como lhes chamou há dias Manuel Maria Carrilho. Não lhe é reconhecido um verdadeiro estatuto internacional, embora tenha os requisitos exigíveis para a sua atribuição.
No entanto, é bom lembrar que a Língua Portuguesa tem uma enorme força que se iniciou com a expansão portuguesa no século XV, com a conquista de Ceuta, no norte da África, que continuou o seu percurso, contornando toda a África e caminhou para o Oriente, começando a assumir o estatuto de língua franca, língua de comunicação entre os povos africanos e entre estes e os estrangeiros, estatuto que perdeu, gradualmente, no século XVIII. Evolução idêntica conheceu, a partir do Brasil, na América do Sul.
Esta expansão, a adaptação e enriquecimento que foi sofrendo ao longo do tempo, valorizou-a, tornando-a veiculadora de múltiplas culturas. Sendo, ainda, língua comum de uma grande comunidade de países dispersos pelos quatro continentes, a Língua Portuguesa poderá reforçar a cooperação entre os povos e assumir um papel preponderante no diálogo entre as nações. Isso implica um conjunto de desafios que é tarefa de todos nós assumir, através da adopção e execução de políticas, estratégias e acções verdadeiramente mobilizadoras.
A defesa da Língua Portuguesa deve ser, pois, uma vontade colectiva, congregando esforços de toda a ordem. Só assim poderemos vencer o Adamastor, retomado por Fernando Pessoa no poema “O Mostrengo” e falar como o homem do leme, simbolizando vontade e determinação políticas e vontade e determinação dos povos de uma grande comunidade mundial, de uma grande Comunidade de Língua Portuguesa.
Com este pequeno texto pretendemos lançar o debate sobre os desafios que se colocam à Língua Portuguesa – defini-los e como os vencer – para que possa ocupar o lugar de relevo que lhe compete nos países e na cena internacional.
Maria Eduarda Boal