Deixem a língua em paz

Acabei de ler uma notícia chocante. Então não é que a editora do autor Roald Dahl está a reeditar os seus livros, que já são clássicos da literatura infantil, de forma a torná-los politicamente correctos? Pois é, parece que já não se pode dizer que um personagem é gordo ou feio e, numa das histórias, a descrição de uns tratores diabólicos não pode ter a palavra pretos. Sim, leram bem, estamos a falar de tratores. O argumento da editora e dos herdeiros é que a língua vai mudando e há expressões que já não usamos ou que não eram ofensivas, mas agora são. Vejamos alguns exemplos:  Eu sou feminista, mas alterar a profissão de uma bruxa para cientista em vez de secretária não faz nada pelo fim da desigualdade entre géneros. Para mim, é muito importante que as crianças de hoje saibam que no tempo das avós (e das mães, já agora) as mulheres tinham de se contentar com profissões que os homens acham adequadas para elas. Como é importante que saibam que não era comum haver famílias com pais do mesmo género e que essas pessoas eram (e ainda são) discriminadas. Por este andar, em breve teremos literatura para “criances”, sem nunca mencionar que é para o menino e a menina, para ficarem “todes” contentes. Até sinto arrepios na nuca de cada vez que leio coisas destas. Remete-me logo para a Novilíngua do George Orwell e todo o universo do livro «1984».
O que estão a fazer com a obra de Roald Dahl tem um nome: CENSURA. E se bem que para a autor não cause mossa, uma vez que morreu em 1990, começa a colocar uma enorme pressão sobre os autores vivos, infantis ou não, para se auto-censurarem, de forma a não serem considerados insensíveis, racistas, homofóbicos ou qualquer outra coisa que algum leitor sensível se lembre de lhes chamar. Além de fomentar uma lavagem à história com efeitos perversos.
A literatura é cultura, é arte, é entretenimento, mas é também um espelho da sociedade e do tempo em que foi escrita. Alterar textos para se alinharem com o que é hoje aceitável é estúpido e perigoso. Até porque, não são as palavras que vão mudar as mentalidades. É a educação. E a educação também passa por ensinar a interpretar um texto tendo em conta a época em que foi escrito.

 

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