Cultura e miscigenação em Malaca

Malaca, Malásia, 14 dez (Lusa) – A estratégia cultural executada por Afonso de Albuquerque há 500 anos ainda se mantém viva na cidade malaia de Malaca, através de património mas também de uma comunidade que luta por preservar um dialeto de origem portuguesa.

“A Malásia é o meu país de nascimento e a minha nação. O meu patriotismo é em relação à Malásia”, mas “quando eu falo sobre a minha cultura, eu não tenho para onde olhar, eu tenho de olhar para Portugal porque as origens são de lá”, diz Joseph Sta Maria, um juiz de paz e representante das minorias em Malaca que se apresenta como “malaio-português”.

Afonso de Albuquerque, que morreu a 15 de dezembro de 1515, foi a figura mais proeminente do antigo império português no Orientem, tendo conquistado Malaca em 1511.

Em 1641, Portugal perdeu Malaca para os Países Baixos, mas a herança portuguesa permanece bem viva.

A falta de recursos humanos para defender a região conquistada, na altura uma das mais importantes do mundo para fins comerciais, levaram o militar a apostar na vinda de portugueses para Malaca com o propósito de constituírem famílias entre os locais.

A estratégia cultural implementada por Afonso de Albuquerque durante a colonização de Malaca ainda se mantém viva na cidade malaia através de património material e imaterial e de uma comunidade que se assume como portuguesa, Malaca, Malásia, 14 de dezembro de 2015. Afonso de Albuquerque, a figura mais proeminente do antigo império português no Oriente, conquistou Malaca em 1511, mas, apesar de o domínio luso ter terminado em 1641, aquando da derrota contra os holandeses, a presença portuguesa mantém-se bem viva. Na imagem turistas junto às Porta de Santiago, o que resta da fortaleza mandada construir por Afonso de Albuquerque. (ACOMPANHA TEXTO) ANDREIA NOGUEIRA / LUSA

Esta miscigenação deu origem ao idioma Kristang (cristão-português), falado sobretudo por mestiços, que mais tarde se tornaram “heróis do comércio”, porque a língua passou também a ser usada nas operações comerciais, segundo Colin Goh, um especialista malaio que tem dado palestras sobre a passagem dos portugueses pela Malásia.

Ao terem “capacidades de comunicar com diferentes comunidades”, “automaticamente tornaram-se pessoas muito importantes”, sublinhou.

De acordo com o mesmo investigador, mesmo durante o período da colonização holandesa, o Kristang era mais usado do que a língua neerlandesa para fins comerciais.

Os colonizadores holandeses tentaram apagar todas as marcas da passagem portuguesa e enviaram “dois terços” dos 2000 sobreviventes como escravos para a Batávia, atual Jacarta, mas o idioma persiste até hoje, continuou.

Além dos comerciantes, havia uma comunidade de pescadores que se fazia entender nesse idioma, algo que ainda hoje acontece no bairro onde habitam cerca de mil pessoas que se apresentam como descendentes de portugueses.

A língua tem sido passada de geração em geração e através das músicas de folclore português cantadas e dançadas por membros da comunidade.

No bairro dos portugueses, hoje em dia é o inglês que predomina, ainda que o idioma oficial do país seja o malaio, por isso florescem receios de que no futuro o Kristang não seja mais do que uma língua cantada por quem não a entende.

A comunidade de descendentes portugueses é também “um produto dessa política” de Afonso de Albuquerque, realçou Joseph Sta Maria.

Colin Goh não é descendente dos portugueses, mas no seu cartão de contactos lê-se a frase em kristang: “Keng teng furtuna fikah na Malaca”.

Membro do Clube da História e do Património Malaio, Colin Goh recorda ainda que Afonso de Albuquerque ajudou a espalhar o catolicismo através dos batizados de mestiços e ao oferecer um tratamento privilegiado aos católicos nos contratos e no trabalho.

De acordo com Joseph Sta Maria, holandeses e ingleses colonizaram a região focados meramente no comércio e na política, enquanto os portugueses apostaram nos três Gs – “Gold, God and Glory” (Ouro, Deus e Glória, em inglês) – e espalharam a cultura e a língua.

O também autor defendeu que os descendentes de holandeses e ingleses com sobrenomes desses países e que “aceitaram a cozinha e o estilo de vida portugueses”, bem como o catolicismo, “não podem fugir do facto de serem portugueses de todas as formas”, ainda que queiram ser reconhecidos apenas como euro-asiáticos.

Também Colin Goh frisou que os descendentes de holandeses na Malásia são maioritariamente católicos e não protestantes.

No bairro português, as tradições católicas fazem parte da identidade cultural, daí que quem entre na comunidade através do casamento acabe, não raras vezes, por seguir os costumes locais.

Também no património material há marcas que resistiram ao tempo e às várias tentativas de destruição, como a Porta de Santiago, a entrada de uma fortaleza edificada por Afonso de Albuquerque, embora no seu arco apareça a data da renovação holandesa.

Segundo Colin Goh, a própria estrutura dos edifícios, com negócios na entradas e habitações nas partes traseiras, é uma herança portuguesa mantida durante o domínio holandês.

ANYN // PJA – Lusa/Fim
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