Lisboa, 17 jul (Lusa) – A palavra lusofonia entrou no uso corrente, mas ainda incomoda, sobretudo nos meios académicos, onde é vista como redutora ou mesmo como representando os falantes de língua portuguesa “de segunda”, defenderam investigadores ouvidos pela Lusa.
“Existe no termo, sobretudo em determinados contextos, que felizmente começam a ser cada vez menos, um ranço imperial”, disse a professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Inocência Mata, contactada pela Lusa a propósito do 20.º aniversário da CPLP, que se assinala hoje.
O presidente do Centro Pedagógico e Científico de Língua Portuguesa do Instituto Politécnico de Macau (IPM), Carlos André, concorda que a palavra “ainda suscita alguma rejeição”, o que não acontece com os termos francofonia ou anglofonia, por exemplo.
“Não vejo nenhum senegalês, marroquino, tunisino ou argelino a sentir-se muito preocupado, incomodado com o facto de ser chamado francófono. Os povos que falam francês, aliás, estão todos unidos em academias da francofonia e nenhum se sente ofendido com isso”, afirmou.
Para o ex-diretor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, isto explica-se por o processo de descolonização português ser “demasiado fresco”.
“A presença do português, aliada à presença do país colonizador, ainda está na memória das pessoas (…). Ainda não nasceram as gerações que hão de esquecer-se disso. Como isso está demasiado perto, tudo quanto possa parecer resquícios de colonização suscita um fenómeno de rejeição”, disse.
Carlos Reis, professor da faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e ex-reitor da Universidade Aberta, defendeu, por seu lado, que é preciso “estar atento a reações negativas ou tão-só a alguma incomodidade que a palavra lusofonia pode suscitar. E respeitar essas sensibilidades”.
Para Inocência Mata, que nasceu em São Tomé e Príncipe e passou a infância e adolescência em Angola, “as pessoas começaram a indispor-se contra a expressão lusofonia” porque ela veiculava uma visão subalternizante dos países que foram colónias de Portugal.
“Por exemplo, dizia-se Portugal e os países lusófonos. (…) Como assim? Portugal não é um país lusófono?”
Outra razão, defendeu a especialista em estudos pós-coloniais, é que as pessoas designam países lusófonos “passando por cima de outras expressões linguísticas, (…) como se o português fosse a única” língua desses espaços.
Para Inocência Mata, como para Carlos André, esta resistência à palavra verifica-se sobretudo nos países africanos, porque o Brasil, que fez um “divórcio amigável” com Portugal já há 200 anos, “a expressão lusofonia”, sem nunca ter provado adesão, também “nunca causou arrepios”, disse o professor universitário.
Com efeito, o linguista brasileiro Evanildo Bechara, de 88 anos, disse que nunca encontrou um brasileiro que “tenha visto em lusofonia um sentido de neocolonialismo”, embora frise que “as palavras dizem o que são, mas as pessoas dizem das palavras aquilo que lhes interessa”.
Pelo contrário, acrescentou, muitos portugueses veem a “aceitação quase total do acordo ortográfico (…) como se fosse uma neocolonização, mas em sentido inverso, do Brasil para Portugal, o que na verdade não existe”.
Carlos André ressalvou também que a discussão em torno das conotações da palavra lusofonia “é só académica”, que “o povo não está preocupado com isso” e “inevitavelmente”, a expressão fará o mesmo percurso que fez a palavra francofonia.
Ainda assim, Carlos Reis defendeu que, embora cómodo, “o termo lusofonia é redutor e politicamente inadequado para designar a pluralidade e a relativa diversidade dos países de língua portuguesa”.
O académico considerou a expressão ‘língua portuguesa’ “não só inevitável, como bem menos marcada do que lusofonia”.
Também Inocência Mata disse que apenas usa o termo lusofonia quando se encontra em ambientes que não usam a língua portuguesa.
“Quando falo no espaço das línguas portuguesas, das culturas em língua portuguesa, nunca utilizo a palavra lusofonia. Nunca mesmo!”, garantiu.
Reconheceu que, em alguns meios, lusofonia é uma “palavra vendável, assim como a palavra multiculturalismo ou cosmopolitismo”, mas ressalvou que essa é “uma moda” exclusiva de Portugal.
“Parece-me que é só em Portugal [que existe a ideia de que a lusofonia vende]. Em Portugal ou entre pessoas que, não estando em Portugal, querem ser bem recebidas em Portugal”, concluiu.
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