Brasília, 12 jul (Lusa) – O sociólogo brasileiro António Flávio Testa considera que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) não tem “uma conceção de comunidade como um bloco” que possa “pressionar pelos interesses de todos”.
Em declarações à agência Lusa a propósito do 20.º aniversário da organização, que se assinala a 17 de julho, o professor da Universidade de Brasília (UnB) diagnosticou que os nove países não atuam como um bloco.
Quando há um interesse específico, explicou, eles vão privilegiar esse interesse, e “os países mais pobres de África ficam muito reféns dessa situação”, porque “o que faz as relações entre os países são os interesses, quem gera mais riqueza”.
Para o também antropólogo e analista político, “ainda há um ranço muito grande da colonização” em África, com países a viver em “situação extremamente difícil” e sob regimes totalitários.
“É preciso haver democracia, é preciso estímulo da economia de mercado, investimento em educação e saúde. É preciso haver, de facto, uma mudança nesse espetro político em alguns países da CPLP”, comentou.
Quanto à presença do Brasil na CPLP, o especialista considerou que, hoje em dia, seria importante que alguns países africanos, por exemplo, trouxessem “o seu potencial” para o país, em vez de meramente esperarem que empresas brasileiras invistam no desenvolvimento dos seus países com dinheiro público.
“Temos de trazer também as iniciativas culturais, a gastronomia e uma série de fatores que poderão alavancar negócios no Brasil”, reforçou.
António Flávio Testa advogou igualmente uma “maior integração cultural” na CPLP para gerar “riqueza económica e fazer com que haja mais intercâmbios entre os povos”.
O especialista antevê um aprofundamento das relações do Brasil com a CPLP sob o Governo do Presidente interino, Michel Temer, que deverá continuar em funções se o pedido de destituição da Presidente com mandato suspenso, Dilma Rousseff, for aprovado no Senado em agosto.
Porém, avisou que agora é necessário “esperar um pouco, porque o momento atual do Brasil é muito difícil”, com investigações de corrupção envolvendo vários políticos.
Para o futuro, o cientista político é da opinião de transformar a CPLP numa estrutura mais económica, até porque, por exemplo, a nível geopolítico e geoeconómico “África passa a ser extremamente importante e um grande interposto para a integração global”.
“É claro que isso vai exigir uma mudança radical nas relações políticas internas, no processo educacional, na formação das forças empreendedoras locais”, acrescentou.
Para já, o especialista elogiou a ideia da integração dos países de língua portuguesa numa organização, algo “decisivo para o futuro deste bloco linguístico”.
O professor falou ainda no trabalho de “intercâmbio de cátedras académicas e fazer um projeto de integração do ponto de vista económico”, que está a ser desenvolvido pela Fundação Getulio Vargas, do Brasil.
Apesar de esse trabalho “andar lentamente”, para o analista “tem sido gratificante ver que há um esforço significativo para que os países de língua portuguesa possam integrar-se e constituir um bloco competitivo neste mundo globalizado”.
A CPLP reúne Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste e trabalha em diferentes áreas de cooperação, como educação, saúde, defesa, agricultura, justiça, economia, entre outras.
Na cimeira que assinala os 20 anos da CPLP e na qual o Brasil assumirá a presidência rotativa, prevista para novembro, será aprovada a Nova Visão Estratégica da organização e eleito um novo secretário-executivo.
ANYN (JSD) // VM -Lusa/Fim
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