Maputo, 13 jul (Lusa) – O académico moçambicano João Gabriel de Barros considera que se a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que cumpre 20 anos no domingo, se mantiver um projeto de políticos e ignorar os habitantes dos Estados-membros, arrisca-se a desaparecer.
“Se as instituições não se adaptam, correm o risco de morrer”, defende em entrevista à Lusa o diretor do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CEEI), do Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI) de Moçambique, acrescentando que a organização lusófona “tem de fazer mais, tem de envolver mais”.
Para João Gabriel de Barros, o princípio de que uma sociedade civil fraca produz governos fracos é aplicável à comunidade lusófona, “se este desinteresse e desconhecimento das pessoas continuar”, em que a CPLP “não diz nada a 75% dos moçambicanos”.
Angola, por exemplo, mantém as fundações Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos como observadores consultivos da CPLP, mas, no caso de Moçambique, assinala, não há presença de qualquer organização da sociedade civil.
O diretor do CEEI observa que a organização foi criada “do topo para a base e não como uma coisa genuína que nasceu nos diferentes países”, permanecendo como um domínio restrito de políticos e identificado apenas por académicos e funcionários de ministérios.
Vinte anos depois da sua fundação, afirma, “pouca gente conhece a CPLP como uma comunidade útil”.
Os académicos de relações internacionais, refere o docente do ISRI, costumam dizer que “quando os políticos se encontram para uma cimeira, antes de qualquer coisa, marcam uma nova cimeira” e a CPLP enquadra-se nesta descrição, faltando ainda um equilíbrio de forças entre os Estados-membros, sobretudo dos africanos em relação a Brasil e Portugal.
“Se há uma cimeira marcada, mas afinal não pode ser porque o Presidente do Brasil age como se estivesse a dizer que será quando tiver tempo, onde está a força disto”, questiona.
O diretor do CEEI recorda que os Estados-membros pertencem a diferentes blocos políticos e estão sujeitos às suas regras e evoluções dos respetivos processos de integração, em que, por exemplo, a União Europeia enfrenta uma crise de refugiados e o avanço político da direita.
“As mentes mudam e hoje são outras, temos de nos readaptar constantemente”, alerta o académico, para quem seria impensável há uns anos que Suécia, Finlândia, Holanda e Dinamarca, parceiros históricos de Moçambique, cortassem a sua ajuda num momento em que o país vive uma grave crise financeira, política e militar.
A exigência de acomodar permanentemente as instituições às mudanças coloca-se também à CPLP, em que “ou ela faz mais e é uma comunidade apropriada pelas pessoas, ou fica neste nível político, de cimeiras atrás de cimeiras”.
O sentimento de pertença no espaço de língua portuguesa, na verdade, já existe e foi passando de geração em geração, destaca João Gabriel de Barros, apontando o que aconteceu após a vitória de Portugal no campeonato europeu de futebol.
“Tenho colegas e funcionários que nunca imaginei estarem a mandar mensagens por whatsapp a dizer ‘ganhámos'”, conta o docente moçambicano, como se se tratasse de uma “taça que é de África, da Guiné, de Angola, de Moçambique”
Mas nem esta mais-valia desportiva é institucionalizada, lamenta o académico, para quem a CPLP criou poucas instituições e sem relevância, comparando os jogos da comunidade a uma competição “escolar, de infantis”, ou questionando a confederação empresarial de língua portuguesa.
“Ok, temos uma confederação e também a nossa realidade. Aí eu pergunto: que empresários tem Moçambique? Uma empresa investiga, inova. Temos empresários ou comerciantes”, interroga.
A língua também está institucionalizada, mas, na opinião de João Gabriel de Barros, será um erro limitar a CPLP a um pilar linguístico, insistindo que a comunidade tem de ser “de todos os países e de todos e não apenas dos políticos, dos governos e governantes, como parece estar a acontecer até agora”.
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