CPLP/20 anos: Comunidade precisa de ser sonhada de novo

Praia, 13 jul (Lusa) – O académico cabo-verdiano Corsino Tolentino considera que a comunidade lusófona falhou nos princípios básicos de afirmação da língua portuguesa e dos valores da democracia e defende a urgência de uma reflexão profunda que leve à refundação da organização.

Em entrevista à agência Lusa a propósito da passagem dos 20 anos da fundação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o antigo embaixador de Cabo Verde em Portugal faz um balanço crítico do percurso da organização.

“Do lado positivo podemos colocar a criação de um ambiente de proximidade dos países e das comunidades de língua portuguesa. Fizeram-se intercâmbios de natureza económica, desportiva e cultural que tiveram alguma visibilidade e criou-se um ambiente expectante, que mantém a CPLP na reta ascendente da esperança”, disse.

Como pontos negativos, o também antigo ministro da Educação cabo-verdiano aponta falhas na coordenação política e diplomática e o abandono dos princípios básicos da organização: a língua oficial portuguesa e os valores da democracia e da liberdade.

“A comunidade foi criada com a intenção de estabelecer, de incentivar a coordenação diplomática e política e essa creio que ficou abaixo de qualquer expectativa razoável. Foi também um período durante o qual se abandonou um princípio fundamental: os países membros da comunidade tinham que ser países onde a língua portuguesa é a língua oficial. Abandonou-se este princípio sem alteração dos estatutos. Isso foi o pior que aconteceu”, adiantou.

Para o académico, foi a admissão na comunidade como membro de pleno direito da Guiné Equatorial que marcou o abandono desses princípios.

“Admitiu-se um país como membro de pleno direito, abandonando o princípio da língua portuguesa e, em segundo lugar, a Guiné Equatorial é um país que toda a gente sabe não tende para a liberdade e a democracia. Houve uma violação frontal de dois princípios básicos”, sublinhou.

O académico e investigador apontou ainda falhas na cooperação económica, considerando que a CPLP precisa tirar partido das novas tecnologias para reduzir as distâncias entre os vários países.

“A CPLP de facto pesa muito pouco. Falhou do ponto de vista económico, falhou na coordenação político-diplomática, onde o peso continua, senão a diminuir, pelo menos muito pequeno e, além desse ambiente mais ou menos favorável, mais ou menos expectante, não vejo realizações fortes da comunidade”, disse.

A atuação na crise política da Guiné-Bissau “foi um caso de fracasso e é preciso coragem para o reconhecer”, acrescentou.

Sobre o papel de Cabo Verde enquanto membro da comunidade, Corsino Tolentino sublinha que o país tem tido uma “posição formalmente muito positiva”, mas sem grandes resultados práticos.

Ainda assim, lamentou que alguns dos restantes países da CPLP não tenham a mesma postura, apontando como exemplo a próxima cimeira de chefes de Estado e de Governo da organização, que deveria realizar-se em julho no Brasil, mas foi adiada para novembro, ainda sem data definida, devido à crise política no Brasil.

Para Corsino Tolentino, quando cumpre 20 anos, a 17 de julho, a comunidade lusófona precisa de fazer uma demonstração de utilidade através de um plano estratégico “mais realista” e de uma “aposta séria” na valorização da língua.

“Se não se conseguir fazer isso pelos 20 anos, temo que continue a caminhar para uma irrelevância cada vez maior”.

Para Corsino Tolentino, o “bom sonho” dos fundadores da CPLP “não se está a realizar a um ritmo satisfatório” e está a desviar-se das linhas orientadoras então traçadas.

“A CPLP precisa de ser sonhada de novo. [É preciso] termos a coragem de saber se pelas vias bilaterais conseguimos resolver os assuntos que se põe normalmente entre as nações. Não é indispensável termos uma instituição multilateral. Se chegarmos à conclusão que é assim vamos tirar as lições e avançar”, disse.

“Criamos instituições e criamos despesas e temos que fazer um balanço. Não um balanço globalmente positivo, mas um balanço frontal, discutido, para sabermos para onde vamos. Se não vai, se não vai mesmo, parar definitivamente e reconhecer que parou”, acrescentou.

CFF // VM – Lusa/Fim
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