CPLP tem potencial mas também problemas que enfraquecem imagem – Seixas da Costa

Lisboa, 29 nov (Lusa) – O embaixador Seixas da Costa classificou hoje a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) como “uma organização com mérito e potencial” cujos “problemas e contradições internos” fazem com que “não projete uma imagem própria forte no quadro multilateral”.

Francisco Seixas da Costa falava ao fim da tarde na Sociedade de Geografia de Lisboa, na última de um ciclo de conferências subordinadas ao tema “Razões impeditivas da plena afirmação e funcionamento da CPLP” – uma premissa que aponta desde logo para “uma espécie de inventário dos aspetos negativos da organização”, embora tenha considerado “haver um outro inventário possível”, centrado nos aspetos mais positivos.

Começando por criticar “o discurso tradicional dos dirigentes políticos” acerca da CPLP, “um discurso em que se confundem realismo e otimismo” sobre uma organização criada em 1996 e que, volvidos mais de 20 anos, “nunca prosperou num ambiente normal, de velocidade de cruzeiro”, o diplomata sustentou que os Estados-membros “não ganham muito com essa retórica”.

“Este tipo de discurso sistematicamente evita algumas questões de fundo – umas, de natureza estrutural e outras, de natureza conjuntural” – que têm feito com que a CPLP não se tenha afirmado dentro dos próprios países membros.

“A CPLP tem dentro de si vários problemas e várias contradições: em primeiro lugar, trata-se de Estados de dimensão muito diversa – quer ao nível da dimensão física, quer ao nível do seu potencial económico, quer ao nível dos regimes políticos que têm -, há uma diversidade muito grande que torna o universo CPLP um magma dificilmente harmonizável”, defendeu.

Depois, prosseguiu, “o valor efetivo e o interesse prático que a organização tem são vistos de forma muito diferente em cada um dos Estados que a compõem”.

“A CPLP não é um tema mobilizador junto das opiniões públicas de nenhum dos seus membros – não vale a pena ter a menor ilusão: não é um elemento essencial [da cooperação entre eles], se desaparecesse rapidamente seria substituída por outro instrumento, não tem no seu currículo feitos particularmente notórios”, argumentou Seixas da Costa.

A própria comunicação social dos países membros trata a organização “com alguma distância, com um registo mais das frustrações pelos aspetos que correm menos bem”, o que lhe conferiu “uma espécie de desprestígio subliminar” porque “não projeta uma imagem própria forte no quadro multilateral, não passando muitos dos acordos que assinou de protocolos de intenções”, observou.

“Com exceção de Portugal, nenhum dos outros países tem a CPLP como elemento estruturante do quadro da sua ação externa”, referiu, acrescentando que “o único país que faz esse proselitismo e dá alguma importância retórica à CPLP é Portugal”.

Na opinião do embaixador português, “talvez aí resida uma espécie de pecado original da CPLP: o mais importante país não está no centro da organização”, ao contrário do que se verifica na comunidade francófona ou na Commonwealth.

Outro ponto negativo que sublinhou, considerando que nunca foi superado, é ter “sempre sentido a CPLP refém das relações bilaterais entre Portugal e alguns dos países da organização”, o que significa que “os aspetos negativos da dimensão bilateral das relações entre Portugal e os países membros influenciaram quase sempre as relações no âmbito da organização”.

“A CPLP nunca prosperou num ambiente normal, de velocidade de cruzeiro, nos seus Estados-membros”, comentou.

Uma questão sensível é também “a centralidade de Portugal na organização que, sendo inevitável, continua a ser incómoda para alguns Estados-membros, nomeadamente para Angola, à qual causa algum embaraço o facto de Portugal ser o único país a sublinhar no seu quadro de ação externa a CPLP, a sua relação com a lusofonia como central”.

Para Seixas da Costa, “a polémica em torno do Acordo Ortográfico é outro fator de um certo desprestígio para a CPLP”.

“A sensação que dá é que, além de uma certa retórica, não há uma estratégia organizada para a afirmação internacional da língua portuguesa”, frisou.

Em seguida, destacou o que caracterizou como “uma ferida dentro da CPLP”: “a questão da Guiné Equatorial, porque põe em causa a própria identidade da organização”, que procurou, “nos seus documentos centrais, criar uma cultura comum de Estados de direito, respeitadores dos direitos humanos e das regras da boa governação”.

Em suma, o diplomata considerou que “a CPLP tinha um potencial interessante à partida, porque se destinava a ultrapassar um trauma forte (colonialismo), ancorada numa língua comum, formada por países que não tinham fronteiras entre si e têm um potencial de representação num quadro multilateral”.

“Mas é uma organização frágil, que nos obriga – a 100%, no caso de Portugal – a manter atenção e empenho, mas em relação à qual não devemos ter grandes ilusões”, prosseguiu, rematando: “É uma organização que tem mérito, tem potencial, pelo que não devemos subestimá-la, mas também não devemos esperar dela mais que aquilo que ela é”.

ANC

Lusa/fim

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