“Em meu nome pessoal e de todo o secretariado executivo da CPLP, apelo aos nossos Estados-membros, aos nossos governos e aos nossos cidadãos para a mobilização em torno da rápida normalização da vida, das infraestruturas e das atividades em Moçambique”, afirmou Murade Murargy, em comunicado.
O responsável da CPLP, que é moçambicano, acrescentou: “Tenho a certeza que, juntos, vamos conseguir apoiar a contínua consolidação do trajeto do desenvolvimento e prosperidade económica e social deste nosso Estado-membro”.
Murargy esteve em Moçambique nas últimas duas semanas, onde se deslocou para assistir à posse do Presidente eleito, Filipe Nyusi, no dia 15 de janeiro, e afirmou ter constatado, “com profunda consternação, a severidade das forças da natureza”.
“A emergência enfrentada em Moçambique com as cheias e inundações, sobretudo nas regiões centro e norte, impõe a nossa solidariedade para com o empenho do Governo e povo moçambicanos em dar uma resposta a estes trágicos acontecimentos”, afirmou o secretário-executivo da comunidade lusófona.
Desde dia 12 de janeiro, as cheias que atingem o centro e norte de Moçambique já causaram 117 mortos, dos quais 93 na província de Zambézia, existindo ainda relatos de cerca de 50 desaparecidos.
Mais de 157 mil pessoas foram afetadas pelas cheias que afetaram as províncias da Zambézia (124, 3 mil pessoas), Nampula (19, 5 mil), Niassa (12, 8 mil), Cabo Delgado (169), Sofala (145) e Tete (45).
“O aumento dos caudais dos rios Zambeze e Licungo ceifou, lamentavelmente, a vida de mais de uma centena de pessoas. Às famílias atingidas e a todo o povo moçambicano quero deixar os sentimentos de pesar e de solidariedade de todos os cidadãos da comunidade”, afirmou ainda Murade Murargy.
O balanço das autoridades moçambicanas revela ainda que as cheias provocaram a destruição completa de mais de oito mil habitações, afetando parcialmente cerca de 11 mil.
Pelo menos seis unidades de saúde foram também atingidas, além de mais de um milhar de salas de aula.
O transbordo do rio Licungo, na Zambézia, deixou às escuras cerca de 350 mil clientes da estatal Eletricidade de Moçambique (EdM), depois da queda de dez postos de alta tensão, na localidade de Mocuba, onde também ruiu parte do tabuleiro de uma ponte que permitia a ligação rodoviária entre o norte e o sul do país.
Embora os prejuízos associados às cheias não sejam ainda conhecidos, são já percetíveis alguns dos seus impactos económicos, como no caso do setor energético, em que só a EdM regista perdas diárias de cerca 177, 2 mil euros, o que pode traduzir, segundo a empresa, um valor até dez vezes superior para a economia.
As autoridades moçambicanas procuram igualmente criar uma alternativa de tráfego à ponte de Mocuba, intransitável desde o dia 12 de janeiro, prometendo finalizar até sexta-feira a construção de um desvio rodoviário, através do rio Namilati.
A CPLP é composta por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.
JH (EMYP) // VM – Lusa/Fim
Namacurra, Moçambique, 03 fev (Lusa) – Finalmente em terra firme, Rafique Branquinho está grato àquela árvore que o salvou durante quatro dias, sobre as águas em fúria, na segunda vez em que as cheias no centro de Moçambique levaram tudo o que tinha.
“Fiquei numa árvore com a família segunda, terça, quarta e quinta. Só a data esqueci, depois vim para aqui”, descreve o agricultor de 62 anos, ex-residente em Murraia, distrito de Namacurra, nas profundezas da Zambézia, enquanto constrói a sua nova casa, em troncos de madeira, no centro de acomodação temporário de Furquia.
A Zambézia, centro de Moçambique, tornou-se desde a segunda semana de janeiro numa zona de desastre, em que o súbito transbordo do rio Licungo, e de outros cursos de água da província, provocou pelo menos 134 mortos, destruição de pontes, estradas e campos agrícolas, numa catástrofe sem precedentes desde as grandes inundações de 1971.
“Lembro-me bem delas, era miúdo e também fugi quando a casa foi embora. Passei mal sim, mas estas foram maiores”, recorda Rafique Branquinho, junto da sua nova habitação, numa dúzia de toscos troncos de madeira, onde dormirão sete pessoas.
Da residência antiga em Murraia não ficou nada senão uma memória, quando as águas surgiram em correntes indomáveis num repente e levaram tudo no seu caminho, deixando o agricultor e sua família, pela segunda vez na sua vida, sem nada.
“Às nove horas chegou a água. Não tivemos tempo, logo inundou as casas e levámos as crianças para as mangueiras, outras para as canoas”, relata Rafique Branquinho, lembrando que “a corrente estava muito forte e muita gente perdeu a vida”. Outras ainda “agarraram-se ao que puderam” e foi então que surgiu aquela árvore, salvando várias famílias das enxurradas. Ficaram lá quatro dias.
Com escadas de bambu fizeram-se comunicações entre os galhos e também uma via para árvores de fruto vizinhas, que deram bananas e cocos para comer, à medida que, lentamente, as águas do rio serenavam e os botes do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) puderam iniciar as operações de busca e salvamento.
O INGC estima que entre duas mil e três mil pessoas tenham sido resgatadas em situações de perigo, nos troncos das árvores, em telhados de casas ou em lugares secos mas cercados pelas águas, até serem encaminhadas para os centros de acomodação por barco ou nos três helicópteros da Força Aérea sul-africana.
“Primeiro saíram as crianças e depois todos nós”, relata Rafique Branquinho, entre a agitação do campo de acomodação de Furquia e o fumo que sai das fogueiras, preparando feijão e mandioca para 748 desalojados que vivem agora em tendas do Banco Mundial ou construções precárias, como a da família do agricultor.
A par da recuperação de infraestruturas destruídas, a principal preocupação das autoridades moçambicanas é alimentar cerca de 44 mil pessoas que perderam todas as suas posses e que permanecem em 38 centros de acomodação, só na província da Zambézia, e destiná-las rapidamente para talhões de terra em zonas seguras, de onde poderão recomeçar as suas produções de agricultura familiar.
Estima-se que 35 mil hectares de campos agrícolas estejam dados como perdidos pelas inundações, afetando cerca de 40 mil famílias na Zambézia. “Está tudo inundado, não tenho nada”, lamenta Rafique Branquinho, um homem ainda sem destino, mas, seja ele qual, for “tem de ser um sítio seco”.
“A história das árvores é a desses todos e dessas crianças que viviam do outro lado do rio”, comenta uma técnica do INGC. “O pior é que eles depois voltam às zonas de risco e daqui a um ano estamos a salvá-los outra vez”, prossegue.
Rafique Branquinho garante que desta vez é para valer, as cheias já o desalojaram em duas ocasiões e não tenciona experimentar uma terceira. Teve muita sorte por aquela árvore ter aguentado firme a fúria das correntes, ao contrário de outras, de grande porte, que tombaram e seguiram na correria das águas. “É a natureza”, conforma-se.
HB // PJA – Lusa/Fim
Fotos LUSA
– Acampamento para deslocados das inundações em Mocuba, província de Zambézia, Moçambique, 27 de janeiro de 2015. As inundações na província da Zambézia afetam atualmente 124 000 pessoas e causaram 79 mortos. ANTÓNIO SILVA/LUSA