Praia, 17 mai (Lusa) – Uma cabo-verdiana, uma portuguesa e uma brasileira a tentar entrar nos Estados Unidos são as protagonistas da peça “Estrangeiras”, do escritor português José Luís Peixoto, um texto que coloca em evidência o ténue conhecimento entre cidadãos e países lusófonos.
O espetáculo, cujos primeiros dias de ensaios estão a ser acompanhados por José Luís Peixoto, no Mindelo, estreia em julho em Portugal e em setembro em Cabo Verde, depois de uma passagem pelo Brasil.
A peça, que é uma coprodução do Teatro Municipal do Porto e do grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, será encenada por João Branco e interpretada pelas atrizes Sílvia Lima (Cabo Verde), Francisca Lima (Portugal) e Janaína Alves (Brasil).
Conta ainda com música original do compositor brasileiro Caio Terra e produção do português Jorge Martins.
O espetáculo terá estreia a 08 de julho no Teatro Rivoli do Porto, será posteriormente apresentado no Brasil, em Teresina, onde nasceu Janaína Alves, e em setembro tem estreia agendada para o Mindelo.
De acordo com o encenador e diretor do Centro Cultural Português do Mindelo, João Branco, todos estes ingredientes fazem da produção “um cruzamento de culturas” e estabelecem “uma ponte entre os três países”.
O texto conta a história de três mulheres de diferentes latitudes da lusofonia – Portugal, Cabo Verde e Brasil – que ao tentarem entrar nos Estados Unidos são obrigadas a ficar juntas durante algumas horas numa sala da polícia de fronteira do aeroporto.
Enquanto esperam vão conversando e aos poucos acabam por mostrar o que pensam umas das outras e sobre os países de onde vêm.
“Esta é uma peça sobre os diversos espaços de uma língua espalhada pelo mundo, sobre o seu património de referências, a sua riqueza e, também, sobre os seus preconceitos, contradições e problemas”, adianta a sinopse.
João Branco, José Luís Peixoto e o elenco de atrizes apresentaram hoje, no Mindelo, o projeto, que começou a germinar há 10 anos, e resulta sobretudo da amizade que liga escritor e encenador.
“A ideia foi criar uma situação em que três mulheres de três países diferentes tivessem que comunicar umas com as outras e que se percebesse que o conhecimento que cada uma delas tinha do país da outra era muito ténue”, disse João Branco durante a conferência de imprensa registada pela Rádio Morabeza.
A ideia é também, prossegue o encenador, mostrar que, dentro da lusofonia, “no fundo nos conhecemos muito pouco”
“Cabo Verde conhece muito pouco do Brasil e de Portugal e o Brasil conhece ainda menos de Cabo Verde e de Portugal”, disse.
Assinalou a relação “por vezes tensa e às vezes mais harmoniosa” entre Portugal e Cabo Verde, resultante “de uma história comum que só foi separada em 05 de julho de 1975”, com a independência da antiga colónia africana.
“Há tensões do tempo colonial que se sentem e tudo isso está patente no texto, na conversa destas três mulheres”, disse.
Com os ensaios a decorrer desde o fim de semana, José Luís Peixoto sublinha a oportunidade que esta coprodução lhe deu de falar de “assuntos importantíssimos no contexto destes três países e dos países onde se fala a língua portuguesa”.
“Esses temas estão presentes no texto e nem sempre são agradáveis. Muitas vezes o texto expõe algumas divergências, alguns mal entendidos, até alguns conflitos que existem às vezes de uma maneira subterrânea, mas que continuam sempre lá”, adiantou.
José Luís Peixoto sustenta que as artes têm também o papel de trazer à sociedade uma reflexão sobre temas que a ajudem a evoluir e acredita que a peça irá ser vista de maneira diferente em cada um dos países.
“Temos a suspeita que os diferentes públicos vão tomar o lado das personagens que são do seu país. E isso pode ser interessante. Nenhuma personagem está sempre certa. Todas elas têm momentos em que são injustiçadas e tem momentos que demonstram os seus preconceitos em relação aos outros”, disse.
“Com as distâncias que temos imaginamo-nos uns aos outros. Os portugueses imaginam os brasileiros, os brasileiros imaginam os portugueses, os cabo-verdianos imaginam os portugueses e os portugueses os cabo-verdianos e, nessa imaginação, muitas vezes há ideias que se vão cristalizando, que nem sempre são corretas e são injustas para todos”, sublinhou.