Conferência “A Língua Portuguesa é Património da Humanidade”

EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DA MATRIZ PORTUGUESA® PORTUGAL 880 ANOS

A efeméride é celebrada com um ciclo de conferências, com a parceria da Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva, sobre a temática da identidade de Portugal, a Língua e a Cultura Portuguesa.
A Exposição, tutelada pela Matriz Portuguesa – Associação para o Desenvolvimento da Cultura e do Conhecimento, possui o Alto Patrocínio de Sua Excelência o Presidente da República e o Estatuto de Interesse Cultural concedido pelo Ministério da Cultura.
“A Língua Portuguesa é Património da Humanidade”
Oradora – Prof. Annabela Rita.
20 de Setembro de 2023, Fundação Ricardo do Espírito Santo e Silva, Lisboa.
Página Oficial | https://www.exposicao-universal-da-ma…

Miguel Real: 1ª edição do Prémio Matriz Portuguesa
Alocução de Annabela Rita (jurada, membro da Comissão de Honra)
Antes de mais, a evocação dos meus Colegas de Júri, que muito me honraram com a sua companhia e que aqui represento: Gabriela Canavilhas, João Paulo Oliveira e Costa e Onésimo Teotónio de Almeida.

No episódio de Édipo e da Esfinge, temos a conjugação do tempo longo da hominização e do tempo curto da vida de cada homem, mas também a da relação entre eles e das diversas naturezas do híbrido.

Uma Quimera. Como, de certa forma, Édipo, também ele híbrido de 2 genealogias reais e suas circunstâncias, entre o destino e o desejo de o contrariar. Nessa especularidade, a cultura é o conjunto metamórfico dos pares pergunta/resposta em auto-reconhecimento: cada comunidade define a seu modo o que é, a natureza humana, as leis da vida e do universo.

Ora, nessa imensa tessitura que é a cultura, Miguel Real é um grande protagonista desse par de perguntas e respostas que nos definem. Não já apenas Édipo e a Esfinge, mas também, percorrendo as outras configurações, Eros e Psique, encenando o auto- reconhecimento nesse Portugal – Ser e Representação (1998) onde “vê que ele mesmo era/ A Princesa que dormia” 1 .
Na cena cultural, o ensaio A Morte de Portugal (2008) e o romance O Último Europeu (2015) insinuam uma espectralização da nação e da Europa numa mesma tragédia, envolvendo o par no sudário do verbo. E parece ser esse sentimento de iminência embebido de urgência afectuosa que move Miguel Real à realização do monumento para memória futura: a representação dessa comunidade (portuguesa) noutras inscrita (europeia e lusófona), hoje varridas pelos ventos da globalização que
lhes esfumam os contornos dos rostos e dos retratos tradicionais…

Na representação, o discurso entretece o complexo. Cartografia e geometria informam o levantamento sistemático da tópica da nossa identidade cultural: os temas são identificados, descritos e organizados em constelações. A arqueologia embebe o histórico de cada um e a prospectiva antecipa desenvolvimentos de cada um e das suas relações.

A perspectiva torna reconhecível o lugar de observação, o de Miguel Real, confere reconhecibilidade à sua impressão digital. Tudo isto explica o gesto autoral em que confluem, fusionalmente, o projecto histórico, o ensaístico e o literário, numa gemelaridade dominada pela hermenêutica do outroragora que nos constitui. E tudo isso explica que o próprio historiador se constitua como ensaísta para compreender e fazer compreender a complexidade do real e romancista para defender com as malhas da imaginação o que não pode afirmar nos/sobre os vazios ou enigmas da História, motivação por muitos assumida.

No seu trabalho, a investigação condu-lo a uma apresentação hierática, sistémica e sistemática, num esquema analítico que tipologiza, enumera, cronogramatiza,
historiciza e descreve. A ambição é totalizadora, de exaustividade e classificação.

Em busca d’ A Vocação Histórica de Portugal (2012), o nosso autor ensaia, assim, uma nova demanda, não já a do mítico Prestes João de outrora, mas a sua, de um Portugal para além de si, agora Parado no Meio do Caminho (2015) e em auto-questionamento, ciente de que

“A nossa história tem sido excessivamente singular, tecida de heroicas proezas e horrendas misérias, e a nossa mentalidade não se consegue fixar num fio condutor da história que só nos orgulhe ou nos torne indiferentes ao passado. A história de Portugal é um sugadouro de mitos…”2

Na máquina do mundo de Miguel Real, a gramática de funcionamento é, pois, marcada por uma sintaxe que conjuga a continuidade (metonímia) da enumeração com o movimento lateralizante cindindo essa linearidade: a particularização (sinedóquica ou simbólica) e a amplificação ficcionalizadora. Entre ambos, o voo da imaginação oscila entre a elaboração ensaística e a efabulatória, mas sempre reforçando uma hermenêutica coesa da matriz portuguesa no mundo. De acordo com as leis da Física quântica: numa permanente reversibilidade, mas eminentemente compreensiva, onde a reflexividade é esclarecedora na representação das diversas faces do tema/problema/facto/personalidade. E tudo evolui para uma cúpula aberta, como nas grandes obras arquitectónicas, anelantes de infinito, circunscrevendo e ordenando nelas o finito.

Pelo modo como tem cartografado a cultura portuguesa, em particular, e as culturas lusófonas, em geral, combinando ensaísmo e ficção, ‘grandes angulares’ perspécticas e ‘focais’ sectoriais, incluindo personalidades (Pe António Vieira, Eduardo Lourenço, etc.) e temas do maior relevo (as Novas Teorias), numa trajectória que passa, também, pelo ensino, pela crítica e pela intervenção cívica, e vai ao encontro do projecto do Prémio (v. Regulamento), Miguel Real merece bem a 1ª edição do Prémio Matriz Portuguesa que vem receber ao Porto, lugar embebido em mitos fundadores e habitado pelo coração de D. Pedro IV, símbolo afectivo do seu projecto nacional modernizador.


1 Fernando Pessoa. V. http://arquivopessoa.net/textos/4265.
2 https://www.dn.pt/artes/interior/miguel-real-a-nossa-historia-e-um-sugadouro-de-mitos–7582438.html.

Miguel Real

 

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