Comunicação de Isabelle de Oliveira

Introdução

A defesa da língua portuguesa na Europa e no mundo constitui um desafio cultural, científico e político de primeiro plano. Para esse efeito, dispomos de um trunfo precioso que é insidiosamente esquecido. Esse trunfo é a lusofonia. A lusofonia é um espaço em plena expansão económica e demográfica, atraindo cada vez mais os investidores. Num mundo em mudanças e em evolução, o português é sem sombra de dúvida uma língua de futuro para descobrir, dada a afirmação da sua utilidade internacional.

– Todavia, ouvimos diariamente clamores de alarme cheios de angústia : O português está a perder terreno! O português está em queda livre! No entanto, quem gostaria de ver o seu património linguístico e identitário maltratado? Neste cenário sombrio, será que o século XXI pode trazer soluções para inverter o movimento que aqui denunciamos?

 

I. ALGUMAS PISTAS DE REFLEXÃO

Temos de olhar para os conceitos de estratégia, e até, de geoestratégia. O português conta mais praticantes fora de Portugal do que dentro das suas fronteiras, o que o torna uma língua de grande difusão geográfica, variada e predisposta ao crescimento, o que significa ler a importância que a Língua Portuguesa imediatamente revela, como língua de expressão que atravessa vários continentes e está presente em várias latitudes. Mas, independentemente da importância que essa unidade/identidade cultural e coesão política que a Língua Portuguesa representa para os países onde é falada ou é língua oficial, existem interesses de outras zonas geográficas para as quais a força e a afirmação constante da Língua Portuguesa tem uma importância estratégica, para a defesa dos seus interesses próprios. Com efeito, a melhor forma de combater a tendência hegemónica da língua inglesa – que traz necessariamente associadas outras hegemonias – é a de apoiar o surgimento de novos blocos de línguas com vocação global que constituam barreiras a essa força de expansão.

Face ao desafio da globalização, nestes tempos de supremacia, é provável que não exista um conceito mais importante que o da latinidade.

Juntos, podemos oferecer uma contrapartida cultural, um rumo na direcção da diversidade, em colaboração com as outras línguas que lutam para afirmar a sua identidade. Este conjunto de idiomas vivos, cujos falantes estão hoje estimados em mil milhões, deve atingir a fasquia dos 1, 3 mil milhões em 2025. Esta comunidade linguística de tradição latina é suficientemente forte para contrabalançar as outras grandes “famílias linguísticas” como a anglo-americana, a árabe e a chinesa. A consciência desta latinidade vai ser a nossa CARACTERISTICA DISTINTIVA. Optar pelo simples plano de confronto e rivalidade seria ridículo e redutor, enquanto que a defesa de outras culturas e entidades linguísticas é essencial para a LATINIDADE, dado que o seu futuro reside no apoio ao multilinguismo.

Para reforçar o nosso propósito citava François Mitterrand que já adiantava que : “Le merveilleux rempart contre l’uniformisation, c’est l’identité culturelle qui n’est pas un jeu, une distraction, un gadget, mais une volonté puissante et profonde d’être ce que chacun de nous éprouve profondément.” François Mitterrand, Président de la République Française (1981-1995)

1. O papel do português pode ser múltiplo e facetado. Identificamos, a título exemplificativo:

  • No ensino : – É certo que, em França, a língua portuguesa encontra-se em perigo por razões orçamentais, mas também por falta de consideração, ou ainda, por falta de afirmação e de real vontade política. O português ainda não se tornou uma disciplina de maior importância na universidade. Esta concepção de uma língua pouco útil incentivou os decisores a limitar o recrutamento de docentes de português. Cada ano, o número de docentes tem tendência para baixar de forma vertiginosa! Há criação de poucos postos de português. O naufrágio lusitano prossegue, apesar de alguns esforços e incentivos a favor do ensino da língua portuguesa. O recrutamento de docentes de português caiu 82% em 15 anos.

Contudo, os estudantes da área das ciências exatas escolhem o português como a língua estrangeira de eleição para aprendizagem. Isto só demonstra a percepção que se tem em relação ao futuro de economias que integram esse espaço. Os representantes políticos esquecem com frequência que a importância de um idioma não se mede apenas através do número de falantes e da influência diplomática ou poderio económico dos países em que é utilizado.

Não. O que nos lembram os linguistas e o que nos ensinam as notícias mundiais é que a verdadeira influência de um idioma mede-se pelo número de pessoas que o aprendem, sobretudo se tal acontece fora das fronteiras dos países em que é língua nacional. Hoje, o inglês e o espanhol são as línguas mais estudadas em todo o mundo, o que está muito longe de ser o caso da língua portuguesa, frequentemente apenas reservada aos seus falantes de origem ou respectivos descendentes. Por isso, o grande desafio é o de promover o ensino do português como língua estrangeira vocacionada para o mundo dos negócios. Uma missão para a qual os recursos educacionais (livros, métodos etc.) ainda são em número muito limitado. É por isso que, hoje em dia, a nossa universidade prossegue esforços nesse sentido. Tal significa tornar a oferta de ensino do português aos alunos suficientemente alargada para responder a todas as solicitações.

E é essencial que este ensino seja integrado, exactamente como acontece com outras línguas vivas.

  • Na diplomacia cultural, a língua portuguesa considerada como soft power, isto é, capacidade de influência, encontra-se ainda longe das suas reais potencialidades. Neste sentido se poderá afirmar que a língua portuguesa é um importantíssimo trunfo a explorar. Contudo, apesar dos esforços, um longo caminho ainda há a percorrer. Apesar de ser considerada o terceiro pilar dos assuntos externos dos Estados, depois do político e do económico, a diplomacia cultural tem-se limitado a acordos de cooperação bilateral, que nem sempre envolvem uma série de meios e de agentes que estão para além do serviço diplomático. Hoje sabemos que não chega a figura de um diplomata para representar e defender os interesses de uma Nação no que respeita a relações de diplomacia cultural.

Em jeito de conclusão:

Na avaliação do peso económico da língua, o valor das indústrias da língua (dependentes fortemente do factor língua), é apresentado, hoje em dia, como um importante instrumento de criação de riqueza e emprego.

Vários países de língua oficial portuguesa têm vindo a tornar-se atractivos para os investidores e empreendedores. Por este motivo, assistimos a um interesse crescente pela língua portuguesa. Percebe-se que o domínio do português potencia oportunidades de negócio e, por esse motivo, países como a China elegeram a aprendizagem da nossa língua como objectivo estratégico. Não é por acaso que temos cada vez mais, na Universidade da Sorbonne, estudantes chineses, árabes e russos a inscreverem-se para aprender o português em conjugação com outros idiomas.

Uma política de língua adequada deve interpretar estes dados e dar uma resposta que permita que este potencial se desenvolva. Parece-me que essa política de língua deverá levar em consideração os seguintes aspectos: a variação linguística ou terminológica, a neologia, a harmonização, a finalidade da aprendizagem da língua e a relevância das terminologias técnico-científicas (os domínios técnicos e científicos constituem um campo fértil no que toca à dinâmica denominativa da língua: cada novo conceito, cada nova descoberta cientifica ou avanço tecnológico por especialistas accionam processos de criação lexical). O conhecimento das várias formas de comunicação oral e escrita é um dos pré-requisitos impostos pelo mercado de trabalho e condiciona o acesso à informação, à vida social e à cidadania” e “com o desenvolvimento do setor dos serviços a língua portuguesa tornou-se um verdadeiro agente da economia mundial.

Mas se estamos a fortalecer um mercado, trabalhamos com a língua como se esta fosse um bem transaccionável. Na actual sociedade de consumo, podemos talvez fazer uma analogia entre o idioma – enquanto língua de trabalho e, nesse sentido, objecto de traduções e de ensino, de interesse empresarial e de troca em vários mercados – e um outro objecto de troca/consumo. Atribuindo-lhe, portanto, um valor de uso, um valor de troca, um valor simbólico e um certo prestígio social. O português globalizado como língua de comunicação internacional de negócios, de cultura, de ciência e ainda como actividade editorial tem enorme potencial.

Curiosamente, as universidades ainda não apostam claramente no ensino do Português de Negócios como língua de especialidade, com currículos especificamente vocacionados para ensinar aos seus estudantes conhecimentos práticos e plausíveis instrumentos de trabalho, capazes de despertar para desafios quotidianos concretos – fomentar o trabalho de grupo, interdisciplinar e multicultural, a criação de plataformas, a comunicação entre colegas; as necessidades de internacionalização das empresas, consubstanciadas em vontade de exportar.

Há ainda um trabalho importante a fazer no domínio da língua de especialidade que podem vir a atestar o potencial económico da língua, enquanto instrumento de desenvolvimento humano.

– A vontade política necessária para reconquistar a língua portuguesa na sua plenitude deve traduzir-se num projecto global, e não em medidas dispersas. Deve também ser acompanhada por um sério esforço internacional. Tudo isto pressupõe uma acção reflectida, concertada, e não o resultado de experiências ocasionais. Por vezes, demasiadas demagogias sobrepostas fazem-nos deslizar para uma sociedade de assistência, em vez de nos dirigir para uma sociedade da ambição. A afirmação da nossa identidade lusófona não é apenas uma simples lembrança do passado, embora a sua presença seja um testemunho eloquentemente de uma realidade histórica; ela é acima de tudo, na vida quotidiana, uma riqueza e uma inspiração nos países da CPLP de hoje, além de ser um instrumento pelo qual as nossas sociedades escolheram para se projetar no novo milénio e para deixar sua marca. Com base nesta causa que partilhamos, construamos uma visão e objetivos comuns, reforcemos os laços que nos unem e, consequentemente, adaptemos os nossos modos de colaboração. Compreender o português permite um outro olhar sobre o mundo e os media mais do que nunca têm um papel fundamental a desempenhar dado que o peso mundial de uma língua não é determinado pelo número de falantes, mas pelo seu grau de difusão.

Ousar e reivindicar uma língua portuguesa ao serviço do desenvolvimento sustentável, ao serviço de uma globalização mais partilhada, mais justa, ao serviço da democracia, dos direitos e liberdades, ao serviço de um diálogo pacífico e proveitoso entre pessoas de todas as culturas!

É esta Lusofonia que defendo: uma lusofonia aberta, uma Lusofonia dinâmica que fala a todos e para todos.

A realização deste tipo de Encontro torna-se cada vez mais imprescindível funcionando para despertar uma nova consciência, inquietações e convidar-nos a projetos de Acção com maior intervenção no palco do multilinguismo!

 

Profª Doutora Isabelle de Oliveira

Universidade da Sorbonne Nouvelle

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