O fabrico de chocalhos está à beira da extinção, existindo já poucos mestres chocalheiros. “Temos que ter paciência. Não é só este ofício que está em decadência, há mais. E gente nova a aprender não há ninguém”, lamenta à agência Lusa o chocalheiro António Augusto Sim Sim, de 68 anos, de Estremoz, ciente de que é “uma vida dura, sempre a bater”, para moldar o chocalho.
O perigo de extinção desta profissão, que em Portugal se manteve artesanal, é sublinhando por António Ceia da Silva, presidente da Turismo do Alentejo e Ribatejo.
É importante o fabrico de chocalhos associado à transumância, ao pastoreio, às componentes do território, hoje em vias quase de extinção. Há poucos fabricantes de chocalhos no país, porque já se usam outros formatos de identificação do gado, e é um bem que importa preservar e lutar pela sua autenticidade”, diz.
Para não deixar “apagar do mapa” a arte chocalheira, Portugal candidatou-a a Património Cultural Imaterial da Humanidade com Necessidade de Salvaguarda Urgente, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), num processo liderado pela Turismo do Alentejo.
O pedido de inscrição vai ser analisado na 10.ª reunião do Comité do Património Cultural Imaterial da UNESCO, entre 30 de novembro e 4 de dezembro, na Namíbia. O que foi candidatado “é a construção de um objeto sonoro que é suspenso ao pescoço dos animais por uma coleira, que é um chocalho”, explica o coordenador técnico do dossiê, Paulo Lima.
“Um objeto feito a partir de uma chapa de ferro que é dobrada, martelada, em cujo interior é colocada uma argola que é o céu’”, para suspender o batente, e que “leva um banho em latão, antigamente noutros metais, e é afinado”, acrescenta. Em Portugal, há sete zonas onde ainda “moram” chocalheiros, muitos deles com idade avançada. O roteiro passa por Bragança, Tomar, Cartaxo, Estremoz, Reguengos de Monsaraz, Viana do Alentejo e Angra do Heroísmo (Açores).
A vila de Alcáçovas (Viana do Alentejo) foi onde este fabrico mais floresceu no país, a partir do século XVIII, originando muitos mestres chocalheiros. Alguns rumaram a outros concelhos, como foi o caso da família Sim Sim, uma das mais emblemáticas.
Mas, na “capital” dos chocalhos, esta arte também começou a decair a partir do meio do século XX e, agora, são poucos os fabricantes que restam. Exercido por famílias, o ofício ressentiu-se do corte na transmissão, por falta de descendentes masculinos ou por os mais novos seguirem outras profissões, refere a candidatura à UNESCO.
E a quebra na procura devido a alterações verificadas no mundo da pastorícia, com o fim da transumância do gado ou a introdução de cercas, é outra causa da quase extinção. “As cercas deram cabo disto e hoje há poucos moirais, daqueles antigos que gostavam de ter os chocalhos” porque “andavam atrás das vacas e das ovelhas de dia e de noite”, frisa António Augusto, que aprendeu o ofício com o avô e o pai, tendo-o ensinado a um sobrinho, com o qual trabalha.
Rodrigo Penetra, que mantém o Museu do Chocalho, em Alcáçovas, fundado pelo seu pai, mestre chocalheiro já retirado, também aprendeu o fabrico e fala com paixão sobre o mundo em que cresceu, apesar de ter seguido caminho profissional distinto.
“O pastor, à noite, andava atrás dos animais e, como o som dos chocalhos era diferente, sabia onde andavam as vacas mais gulosas, que saíam do rebanho e iam comer a pastagem ou as searas do vizinho. Era mesmo um ‘GPS’ do gado”, lembra. Rodeado por milhares de chocalhos, um deles mais pequeno do que a unha do dedo mindinho, colecionados ao longo de décadas pelo pai, Rodrigo acredita que a arte chocalheira seja classificada pela UNESCO e deixa a promessa: “Sou capaz de vir aqui chocalhar os chocalhos”.
Também Paulo Lima “gostaria” de ver atribuído esse “selo”, para “sensibilizar produtores de gado”, para os reintroduzirem na pastorícia, e “chamar a atenção” para “uma arte invisível, para um som, a que quase” não se liga “por ser tão presente” no campo, “mas que está à beira da extinção”. Saiba mais