Carta Aberta a Maria Helena Mateus

Querida Maria Helena:
Há 50 anos que sou tua amiga, te admiro como pessoa e respeito o teu trabalho como professora universitária de linguística.
Sempre evitei, no entanto, discutir contigo o trabalho que tens feito fora da universidade, nomeadamente no que respeita à influência que tens tido no ensino do português no secundário. Sempre soube que nesse ponto não estávamos – e nunca vamos estar – de acordo.
Penso no entanto que um dos problemas do nosso país é deixarmos que as relações pessoais interfiram demasiado com nossas posições cívicas, e com a defesa do que consideramos correcto e justo.
Sei que também assim pensas, e por isso te manifestaste tão negativamente sobre o meu texto que, como se pode provar pela adesão que tem tido, dá voz à saudável resistência dos alunos e ao descontentamento de milhares de pais, encarregados de educação e professores.
Na verdade, querida Maria Helena, ao responder ao meu artigo assumes a posição de porta-voz da defesa deste ensino. Não me surpreende, porque de facto tens grandes responsabilidades, ao longo de décadas, pela passagem do ensino do português no secundário a ensino da linguística (de uma determinada perspectiva linguística) no secundário. Não és obviamente a única responsável, mas é inegável que tens grandes responsabilidades nisso. Por isso ao responder-te estou a responder a toda uma “classe” de pessoas que partilham a tua visão do mundo.
O que o meu texto vem dizer é que este ensino não nos serve, e que tem havido um enorme abuso de poder de alguns sobre a maioria.
Na verdade a tua opinião pessoal sobre esta questão não conta (nem mesmo encarando-te como porta-voz de um colectivo). Nem é a minha opinião individual, como cidadã, que tem qualquer interesse.
Escrevi o que entendi que não podia deixar de escrever – e obviamente não pedi licença a ninguém.
Se grande parte do país leu o meu texto e se identificou com ele, é algo que está fora do teu controle, e do meu. 
Por muito que isso te desagrade (e a todos os que te olharem como porta-voz), será o país a decidir que ensino quer – os pais, os professores, os cidadãos, e o ministério (que será julgado por tudo o que fizer ou não). Vivemos há décadas no enorme equívoco de que “os linguistas é que sabem, por isso o poder é deles”. (O que te deve parecer tão óbvio que nem dás conta da imensa arrogância do teu artigo). Mas é altura de o país – se assim quiser – dizer basta. A língua não é propriedade dos linguistas. O ensino da língua também não.
E é tudo, Maria Helena. Pela minha parte, gostaria que a nossa amizade resistisse a este confronto.
Teolinda Gersão

 

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