À margem do certame, que se realiza anualmente na Póvoa de Varzim, a agência Lusa conversou com escritores, editores e tradutores a propósito do sentido da lusofonia quando se fala de cultura e literatura. O Brasil está a investir “muito agora na difusão da sua literatura”, mas “ainda não deu esse passo para apoiar a lusofonia, (…) o que bem podia fazer, podia levar (…) as outras literaturas de carona”, destaca o tradutor alemão Michael Kegler.
Este investimento do Brasil na sua própria literatura está a exigir “um enorme esforço de tradução” na Alemanha, num ano em que o Brasil será o país convidado da Feira do Livro de Frankfurt e em que se inicia o ano cultural Brasil-Alemanha. Michael Kegler está presente nas Correntes d’ Escritas há dez anos, para reencontrar amigos, em busca de “diversão e inspiração” e de alimentar o seu “pequeno contributo para que a literatura de língua portuguesa apareça”.
Traduzir obras em língua portuguesa não é tarefa fácil, porque o interesse alemão “é muito pequeno, quase inexistente, insignificante”. Autor do portal Nova Cultura, sobre literatura dos países de língua portuguesa, Michael Kegler recusa mesmo falar em “mercado”, prefere referir “alguns acontecimentos”. Esses “acontecimentos” vêm mais de Portugal ou do Brasil, mas contam-se pelos dedos de uma mão os autores de países africanos traduzidos: José Eduardo Agualusa, Ondjaki, Paulina Chiziane, Mia Couto, Pepetela.
Falta de interesse dos governos
Dois escritores ouvidos pela Lusa no mesmo evento, a 14.ª edição das Correntes d’ Escritas, dizem que a cultura lusófona tem sido movida mais por autores e editoras do que por “interesse” de governos, e que para deixar de ser “um mito”, precisaria de “políticas” e “investimento”.
Quando falamos de lusofonia, falamos dos territórios que falam a língua portuguesa” e isso “tem uma envolvência política”, assinala o escritor timorense Luís Cardoso, que acaba de lançar O ano em que Pigafetta contemplou a circum-navegação, em declarações à Lusa à margem da iniciativa Correntes d’Escritas, que hoje termina. Reconhecendo que “hoje em dia já há mais” um sentimento de partilha em torno de um património comum, Luís Cardoso lamenta que, por mais “esforços” que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) faça, os países lusófonos ainda estejam “muito fechados relativamente ao que se passa nos outros territórios” com a mesma língua.
Já o português Manuel Jorge Marmelo, autor de Somos todos um bocado ciganos, diz que ainda há autores portugueses que insistem na “enormidade” de se recusarem a ler autores brasileiros por acharem que estes “não escrevem em português”. O escritor assume um “sentimento” lusófono na sua escrita, que originou Os olhos do homem que chorava no rio, uma parceria com a autora angolana Ana Paula Tavares, após uma “semente” lançada pelo escritor brasileiro Paulinho Assunção.
“Sempre tentei aprender alguma coisa com as pessoas de outros países que escrevem em português”, relata Manuel Jorge Marmelo, referindo que tenta “até transpor algumas coisas”, por exemplo “ritmos”, para a sua escrita. Porém, admite, fazer deste “sentimento” individual de pertença comum um objetivo geral “exigiria um investimento” que Portugal não tem “condições de fazer”. O Brasil tem “uma cultura de tal modo forte” que “não precisa desse rótulo” da lusofonia, realça o autor, que escreve há 20 anos, mas ainda não conseguiu realizar o seu “sonho” de sempre: ser editado no Brasil. Ler o artigo completo
Foto: Hélia Correia, vencedora do Prémio Literário Correntes d’Escritas – Casino da Póvoa, durante a abertura da 14.ª Edição das Correntes d’Escritas, o maior encontro de autores de expressão ibérica que começa hoje na Póvoa de Varzim, 21 de fevereiro de 2013. ESTELA SILVA / LUSA