Artistas e académicos discutem herança colonial e diversidade europeia em Lisboa

Lisboa, 24 nov (Lusa) – Académicos e artistas juntam-se hoje em Lisboa para discutir como a diversidade europeia resulta em grande parte da herança colonial, que é comum a todo o continente, embora nem sempre assumida.

Integrado no ciclo Utopias, que decorre no Teatro Maria Matos, em Lisboa, o debate resulta do projeto de investigação “MEMOIRS: Filhos de Império e Pós-Memórias Europeias”, em curso no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, explicou a investigadora-coordenadora, Margarida Calafate Ribeiro.

Em entrevista à Lusa, a cientista disse que o projeto estuda a diversidade europeia a partir da herança colonial da Europa e permite verificar que hoje, na Europa contemporânea, existe “uma fratura colonial”.

“Não temos vindo a assumir esse legado, que é nosso”, afirmou.

Margarida Calafate Ribeiro considera que “um dos elementos que mais identificará a Europa é essa vocação imperial e colonial, seja no modelo centro-europeu – russo, ou mesmo nórdico – seja no modelo ultramarino, protagonizado por Portugal e Espanha na primeira modernidade e depois por Inglaterra, França, Holanda ou Bélgica.

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Margarida Calafate Ribeiro

O MEMOIRS, sublinhou a investigadora principal do projeto, estuda essa herança a partir do modelo ultramarino em três países: Portugal, França e Bélgica.

“O objetivo é ver que uma parte grande da História europeia se passa fora da Europa e é necessário incluir na narrativa europeia toda essa História, que tem sido contada quase como um capítulo à parte”.

Uma particularidade do projeto é que estuda essa herança a partir da pós-memória, ou seja dos ‘filhos de Império’, que não testemunharam diretamente o colonialismo, mas receberam essa memória através da família.

Os ‘filhos de Império’, explicou, são um grupo vasto e diverso, que inclui, no caso português, filhos de ex-combatentes, filhos de retornados, filhos de africanos que vieram nos movimentos da descolonização e mais tarde nos anos 80.

A investigação baseia-se, por um lado em entrevistas a população anónima desses vários grupos e, por outro lado, na análise de obras de arte produzidas por pessoas que, não tendo vivido o passado colonial têm uma identidade marcada por essa experiência, através da sua memória privada.

“Há muitas pessoas que convertem essa memória privada num gesto de autor, um romance, uma peça de teatro, um filme”, lembrou a investigadora, explicando que quando isso acontece essa obra inscreve-se na memória pública.

Isso está a acontecer sobretudo em França, onde a descolonização tem mais anos do que em Portugal e onde há “centenas de pessoas a trabalhar sobre a questão colonial”.

É neste contexto que se insere o debate a decorrer hoje em Lisboa, que junta Margarida Calafate Ribeiro e outros investigadores do Centro de Estudos Sociais a dois artistas: o músico, realizador e autor de banda desenhada Filipe Melo, que este ano editou “Os Vampiros”, um livro de BD passado na Guerra Colonial; e o ator e encenador André Amálio, que está a desenvolver um ciclo de teatro documental sobre o fim do colonialismo Português, do qual faz parte o espetáculo Portugal não é um país Pequeno, a estrear em setembro de 2017.

Será uma “troca de ideias entre académicos e os que convertem a pós-memória colonial em gestos de autor”, resumiu Margarida Calafate Ribeiro.

O MEMOIRS estará também no Porto/Post/Doc, no fim-de-semana, com a apresentação de quatro filmes sobre filhos de guerra, filhos de retornados, entre outros.

Em ambos os casos, disse a investigadora principal do projeto, “o objetivo é justamente mostrar que a academia não é uma coisa fechada em si própria (…) é um espaço de pensamento em diálogo com o social”.

FPA // JMR – Lusa/fim
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