Uma notícia publicada no caderno Economia do Expresso (n.º 1998, de 12 de Fevereiro de 2011) aborda a questão dos rótulos e instruções que constam nos produtos de origem chinesa comercializados em Portugal, dando alguns exemplos grosseiramente caricatos.
Assim, numa lanterna pode ler-se:
«5 extremista L.E.D. luminoso’s para luz luminosa super elegante contudo desígnio robuto faz isto ideal para atividades ao ar livre, auto e emergência de casa 1 minuto vento-para cima gera 30 atas de iiimination luminoso continuo duas colocações de brilho ao trinco de um botão leia as instruções no contrario e tenha um va? Luz de flash de mão tremor».
O jornal dá ainda outros exemplos.
Num conjunto composto por um ralo de lava-loiça, tampa e dispersor de água, pode ler-se:
«Bateria de cozinha. Afunde coadores. A cozinha tem as series».
Num pacote de abraçadeiras plásticas:
«Esfaqueamento»
Num alicate furador:
«Não usa esta chave de parafuso com cano ou tocar chave de parafuso para influência».
Num detector de corrente:
«Ligar o gancho com chassi ou com qualquer terra»
Numa lanterna com suporte:
«Multifuncional de Branco levou a cabeça leve»
Certamente que estas traduções foram efectuadas com o recurso a tradutores automáticos disponíveis na Internet, sem qualquer intervenção humana, nem de um tradutor, e muito menos de um nativo da língua. Pelo estado dos textos, não é de excluir a possibilidade de se ter recorrido também a um digitalizador e a um programa de OCR — reconhecimento óptico de caracteres, de existir uma língua intermediária entre a original e o português, bem como algum desleixo na transcrição. Só assim é possível compreender aqueles aleijões! Não se percebe como é possível a um fabricante idóneo traduzir e imprimir isto! Não se percebe como é possível a um importador idóneo receber produtos nestas condições! Não se percebe como é possível a um comerciante idóneo colocar à venda estes produtos! Porém, mesmo falhando estes três elos, não se percebe como é possível que o Estado, conhecendo o que se passa com os produtos orientais, não exerça com maior rigor a fiscalização da legislação que, pelo menos desde a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia, obriga à tradução integral, naturalmente em condições de inteligibilidade, das informações sobre a natureza, características e garantias dos bens e serviços oferecidos ao público. Note-se que, em 1992, um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) obrigava à tradução da expressão Made in, com os seguintes fundamentos: «”Made in” é uma expressão de língua inglesa, correspondente na língua portuguesa a “fabricado em”, “produzido em”, “feito em”, com vocação de generalização internacional, mas cujo significado pode não ser compreendido por um conjunto significativo de consumidores portugueses». Por este exemplo, que chegou à PGR e mereceu a respectiva sanção, quando comparado com os exemplos recolhidos pelo Expresso, se percebe também a degradação que posteriormente se verificou.
O que me parece é que a legislação portuguesa sobre esta matéria, ao responsabilizar os diferentes agentes económicos intervenientes no processo, confia numa espécie de sistema de pesos e contrapesos, assegurado sucessivamente pelo fabricante, pelo comerciante, pelo importador. Convencida que está de que, se falhar o primeiro, não falha o segundo, e se falharem ambos, o terceiro detecta o problema e não coloca o produto à venda ao consumidor.
A questão, porém, é que estes pressupostos se alteraram profundamente com a importação maciça de produtos chineses e sobretudo com o controlo por estes de todas as etapas do processo: fabrico, importação e comercialização.
Tudo isto é ainda mais grave, por não se tratar do mero erro linguístico, mas, sim, de algaraviadas totalmente ininteligíveis e incompreensíveis que podem, no limite, colocar em perigo quem utiliza e manuseia esses produtos.
15/02/2011
Paulo J. S. Barata*
Sobre o Autor* Chefe da Divisão de Comunicação e Documentação da Inspecção-Geral da Educação (Portugal). Bibliotecário.
FONTE: Ciberdúvidas