Lisboa, 02 jun (Lusa) – As primeiras manifestações em Angola e uma conversa com um neurocientista brasileiro estiveram na origem de “A Sociedade dos Sonhadores Involuntários”, um livro sobre sonhos e sobre a atual situação política angolana, que Agualusa escreveu com “materiais da poesia”.
O mais recente romance de José Eduardo Agualusa, que é lançado hoje à noite, em Lisboa, é uma sátira política que se constrói em torno de quatro personagens e dos seus sonhos, que os unem, num país dominado por um regime totalitário, à beira da desagregação.
Sobre a origem da história, o escritor angolano conta à agência Lusa que surge de duas situações distintas.
“Por um lado, comecei a escrever há cerca de seis anos, mais ou menos na altura da Primavera Árabe, quando começaram a surgir as primeiras manifestações em Angola pró-democracia, deste grupo de jovens, dos chamados ‘revús’. Aquilo impressionou-me muito, sobretudo uma primeira intervenção do Luaty [Beirão], que ocorreu durante uma festa, um festival de música, e foi isso que me levou a escrever o livro”.
Por outro lado, uma série de conversas que o autor teve com um neurocientista brasileiro, Sidarta Ribeiro – a quem dedica o livro -, que lhe chamou a atenção para o facto de se ter deixado de dar importância aos sonhos.
Ora, os sonhos sempre foram muito importantes para José Eduardo Agualusa e sempre foi muito clara a sua importância, inclusivamente como matéria-prima para os romances.
“Sempre sonhei muito, sempre utilizei os sonhos para escrever. Acontece-me com muita frequência o sonho com o título do livro, o sonho com o começo de uma história, com um personagem. Por exemplo, no ‘Vendedor de Passados’, o personagem surgiu-me em sonhos e, quando acordei, lembrei-me daquele personagem e depois escrevi um conto, e depois escrevi um romance”.
O mesmo se passou com “A Vida no Céu”, cujo título surgiu em sonhos, ou com “O Milagreiro Pessoal”, que tem uma história sobre um poeta francês que antes de ir dormir colocava um cartaz na porta a dizer “silêncio poeta trabalhando”.
“Comigo sempre foi muito assim e da conversa com Sidarta comecei então a estruturar o romance”, disse à Lusa, acrescentando que, apesar dos seis anos passados desde que a ideia começou a ganhar forma na sua cabeça, a escrita do romance demorou ano e meio, porque foi interrompida por outros livros que se meteram de permeio.
No fundo, assume, este romance é uma parábola, “da mesma família do ‘Vendedor de Passados’ e da ‘Teoria Geral do Esquecimento’, porque são romances que têm esse fundo político, mas ao mesmo tempo são ficção pura, as personagens surgem puramente da imaginação, e têm esse lado lúdico, um pouco onírico, um pouco maravilhoso”.
Apesar disso, as personagens buscam alguma inspiração em figuras reais, e o próprio autor revê-se nelas, mas rejeita a chamada autoficção e brinca afirmando que a sua vida “não tem muito interesse” e, por isso, não recorre a ela para escrever.
Outro aspeto presente neste romance como uma preocupação é a perda de memórias, um tema recorrente em todos os seus livros.
“Todos os meus livros lidam com questões de identidade, a memória é fundamental para a identidade e, por isso, é natural que surja neste livro”, sublinha.
Sobre este romance, o escritor moçambicano Mia Couto considerou que está “tecido com os mais delicados materiais da poesia”.
José Eduardo Agualusa explica: “Eu sou um grande leitor de poesia, leio poesia para escrever ficção, tenho muita poesia, uma boa parte da minha biblioteca é composta por poesia, e enquanto escrevo ficção leio poesia, leio para escrever ficção, porque me ajuda a escrever, porque me empurra para a escrita. Então, de uma forma natural, a poesia está na ficção”.
“A Sociedade dos Sonhadores Involuntários” tem “talvez um pouquinho mais” de poesia, porque “os personagens sonham muito e há muito aproveitamento do material do sonho”, afirmou à Lusa.
Mas mais do que um livro sobre sonhos e sobre a atual situação política angolana, é um livro que Agualusa confessa que se divertiu muito a escrever e que espera que sirva também “para provocar algum debate”.