As reacções à minha crónica sobre pessoas que ouvem música sem fones (e sem respeito por quem as rodeia) remeteu-me para um belíssimo livro intitulado «A Psicologia da Estupidez». Ainda que a grande maioria das pessoas tivesse reagido como seria de esperar de qualquer ser civilizado, isto é, concordando que a utilização de fones é indispensável para não incomodarmos os outros quando ouvimos música, quer seja na praia, nos transportes ou em qualquer espaço público, houve uma minoria que se deu ao trabalho de escrever comentários jocosos (cujo grau de agressividade é proporcional aos erros ortográficos ou gramaticais) defendendo que cada um tem o direito de fazer o que lhe apetece e quem está mal que se mude.
Ora o livro acima referido, uma coletânea de ensaios e entrevistas escritos por psicólogos, neuropsiquiatras, sociólogos e outros cientistas que se debruçam sobre o comportamento humano, explica muito bem este tipo de reacções, por vezes vindas de pessoas que até tínhamos em certa consideração.
Logo no primeiro texto, Jean François Marmion, organizador desta colectânea de leitura obrigatória, começa por esclarecer que «somos todos estúpidos ocasionais, fazendo asneiras de passagem sem que isso tenha demasiadas consequências. A questão reside em ter consciência disso e em lamentá-lo. (…) Infelizmente temos de contar com os rugidos dos estúpidos de competição, dos estúpidos majestosos, maiúsculos. Esses estúpidos, quer nos cruzemos com eles no trabalho ou na família, não apresentam nada de anedótico. Eles consternam-nos e martirizam-nos pela sua obstinação na tolice crassa e pela arrogância injustificada». E prossegue na explicação. «O estúpido por excelência condena sem apelo, de imediato, sem circunstâncias atenuantes, fazendo apenas fé nas aparências que, além disso, ele se limita a vislumbrar por entre os seus antolhos. (…) Inabalável. Imunizado contra a hesitação. Seguro do seu direito. Toma as suas crenças por verdades gravadas no mármore, quando todo o saber se constrói na areia».
Explicando os princípios da estupidez contemporânea, que proliferam nas redes sociais sob a forma de bullshit, fake-news, “trollismo” e teorias da conspiração, Sebastian Dieguez diz que «são manifestações contemporâneas e exacerbadas da velha tolice eterna.(…) Dado o carácter desta ou daquela asserção ou acontecimento, o estúpido arranja-se imediatamente para sentir e manifestar a sua desaprovação, a sua rejeição, a sua indignação, a sua ira… simplesmente porque decidiu que é o que é necessário fazer e que é útil fazê-lo e fazer saber ao maior número possível de pessoas, na medida em que isso o ajuda a definir-se como indivíduo». Pois, isso explica muito do que se passa nas caixas de comentários de tudo e mais alguma coisa. Falar para não estar calado. Indignar-se com banalidades. Insultar desconhecidos só por exporem ou partilharem uma ideia com que não concordam.
Mas então, o que fazer para sobreviver à estupidez que nos rodeia e que, segundo aprendi com esta obra, pouco tem que ver com o nível de QI ou de escolaridade de um indivíduo? «É muito raro que se possa fazer mudar de ideias aqueles que já estão convencidos. Pelo contrário, o risco é reforçar as suas crenças» alerta Brigitte Axelrad. Ou seja, não vamos lá com argumentos, por mais irrefutáveis que sejam. No entanto, alguns autores apontam soluções. Podemos sempre fazer uso da razão crítica, consciente dos seus limites (Pascal Engel), e da cultura. «A cultura serve precisamente para preservar da estupidez, dando ideias complexas ao maior número de pessoas, numa espécie de filosofia partilhada. Quando mais cultos somos, mais temos acesso a ideias complexas, mesmo que sejamos estúpidos: protegemo-nos a nós próprios da nossa própria estupidez» (Tobie Nathan).
Outra opção, que não vem no livro, é evitar ler caixas de comentários, seja do que for. Não impede a expansão da estupidez, mas pelo menos, protege-nos de ter de lidar com ela.