No nosso dia-a-dia não falamos de termos como «conjugação pronominal» ou «conjugação pronominal reflexa», mas a verdade é que todos nós as usamos diariamente.
A «conjugação pronominal» é o conjunto de formas flexionadas de um determinado verbo em associação aos pronomes pessoais átonos (também chamados clíticos): -me, -te, -lhe, -o, -a, -nos, -vos, -lhes, -os, -as, -se. Vejamos alguns exemplos:
1) «Ele tinha um carro antigo. O meu pai comprou-o.»
-o é complemento directo (substitui «um carro antigo»)
2) «Ele vendeu-nos a casa por tão pouco.»
-nos é complemento indirecto (a quem se vendeu)
3) «A Maria comprou uns lindos brincos e ofereceu-mos.»
-mos é complemento directo (substitui «uns lindos brincos») e indirecto (a quem foram oferecidos).
4) «Pedimos-vos que ficassem em casa…»
-vos é complemento indirecto (a quem se pediu).
Quando o complemento directo ou indirecto é a mesma pessoa/objecto que funciona como sujeito da frase — veja-se o que dizem Celso Cunha e Lindley Cintra na sua Nova Gramática do Português Contemporâneo — isso é expresso por um pronome reflexivo ou recíproco, isto é, um verbo em que:
a) o objecto da acção é o próprio sujeito (como se ele se olhasse ao espelho e visse, claro, o seu reflexo) e a que se podem acrescentar expressões como «a mim mesmo», «a ti mesmo», «a si mesmo», etc.
1) «Eu dou-me ao trabalho de te acordar todos os dias.»
Isto é, dou a mim mesmo esse trabalho.
2) «O João magoou-se enquanto carregava a mala de viagem da Inês.»
Isto é, magoou-se a si mesmo.
b) se expressa reciprocidade entre dois ou mais sujeitos, isto é, uma acção que afecta os sujeitos «mutuamente», que eles aplicam «um ao outro».
1) «Os meus pais amam-se muito»
Isto é, amam-se um ao outro.
2) «A Elsa e eu ajudamo-nos muito.»
Isto é, ajudamo-nos muito mutuamente.
Dito isto, há uma regra que, quando utilizamos estes pronomes átonos (qualquer que seja o seu valor), provoca erros frequentes…
Pois é: na 1.ª pessoa do plural (nós), a última sílaba perde o <-s> final quando surge seguida pelo pronome átono -nos.
O que significa que dizemos «nós vestimo-nos» e «nós falamo-nos».
Isto acontece porque, com a evolução da língua, ocorreu uma assimilação desse <-s> pelo som nasal [n] ou, melhor dizendo, há uma ressonância nasal entre o <-m> da sílaba -mos e o <-n> do pronome -nos que torna a sequência de sílabas muito «dura de ouvido» para os falantes (que, portanto, se resolveram livrar dela). Note-se, contudo, que se o pronome vier em posição pré-verbal (em próclise), isso já não acontece: «nós não nos vestimos» e «nós não nos falamos.»
Mas além de ser muito frequente vermos este <-s> final em formas da 1.ª pessoa do plural com pronome -nos pós-verbal, também é muito comum que, os que sabem a regra, cometam o erro (uma hipercorreção) de omitir o <-s> também da desinência das 2.ª pessoa do plural (vós). Reparem, até nós escorregámos na casca de banana. Segue a prova:
Mas não. Enquanto é certo dizer-se «vestimo-nos» e «falámo-nos», é incorrecto dizer-se «vesti-vos» e «falámo-vos».
Por isso, em «falamo-nos» deixamos cair o <-s> mas em «falámos-vos» mantêmo-lo — porque esta última forma respeita a regra do pronome pessoal -vos que não dá lugar à eliminação da som [s] anterior porque o fonema [v] não é nasal (e não leva à ressonância de que acima vos falámos).
Ficou claro?
Pois é, na Escrivaninha falamos-vos de erros matreiros (até daqueles que cometemos). E, sempre que temos dúvidas, ajudamo-nos uma à outra.