Pedro Calafate, Professor catedrático da Universidade de Lisboa |
«Se o Brasil é hoje uma nação independente e uma só língua se fala no seu vasto território, em grande parte o devemos ao valor dos indígenas, que aos portugueses se ligaram […]. Não unirei por isso a minha voz ao coro dos que acusam os portugueses. Em uns e outros [os indígenas] respeito os nossos antepassados; a uns e outros devemos o que somos. Bons ou maus, constituem o passado do Brasil; e nenhuma nação conhecida teve mais ilustres fundadores»
Domingos José Gonçalves de Magalhães, Os Indígenas do Brasil Perante a História (1859), in Opúsculos, p. 213 (Nota: Magalhães foi indiscutivelmente o primeiro filósofo do Brasil independente e o introdutor do romantismo no Brasil. Por isso elogia o papel dos índios como povo originário.)
«Seria ridículo pretender que o Brasil exista independentemente da sua formação portuguesa, ou que seja um país onde outra cultura – outra língua inclusive – possa instalar-se com os mesmos direitos da de Portugal, quando colonizou certa parte da América e firmou nos trópicos uma civilização com elementos predominantemente europeus e cristãos […] A pluralidade da cultura – dentro, é claro, do primado da cultura de origem predominantemente portuguesa e cristã, a cuja sombra a nossa sociedade se formou e se integrou –, será esplendidamente favorável ao desenvolvimento da cultura brasileira»
Gilberto Freire, O Mundo que o Português Criou, 1932, p. 34
«Estudar cientificamente uma língua é fundamentalmente o estudo da cultura de que ela é a forma e o produto. Estudar o português do Brasil é, pois, em grande parte, estudar a história de nossa formação»
Celso Cunha, «Política, Cultura e Idioma», in Língua, Nação, Alienação, RJ, 1981, p. 13.
«A língua que utilizamos hoje, como não poderia deixar de ser numa nação que se quer culta e dinâmica, reflete a civilização atual, rápida no enunciado, em virtude da própria rapidez vertiginosa do desenvolvimento material, científico e técnico […] . É uma língua em ebulição. A linguagem é por excelência uma atividade do espírito, e a vida espiritual consiste em um progresso constante.
Se nossa língua não se desfibrou com a avalanche de galicismos nos séculos XVIII e XIX, não há razão para temer que ela se abastarde com o fluxo de anglicismos cada vez mais acentuados, por força do papel relevante que desempenham no mundo os povos de língua inglesa. Nosso idioma, nos seus quase oito séculos de vida histórica já provou dispor de poderosos recursos de autodefesa. Os seus usuários saberão empregá-los para eliminar o supérfluo […].
Não são precisos dons especiais de futurólogo para sentirmos que o mundo caminha para umas poucas línguas de cultura. Zelar pelo enriquecimento, aperfeiçoamento e difusão da nossa é, antes de mais, um ato patriótico, que visa a evitar se torne ela um mero instrumento de comunicação elementar entre os seus usuários»
Celso Cunha, Op. cit., p. 23-24.
Esta posição de abertura comporta, no entanto, uma crítica à pedagogia niilista do Português no ensino secundário no Brasil. Assim, sobre o falso dilema Purismo/Niilismo, escreveu:
«Herdámos de nossos antepassados um idioma riquíssimo e másculo, matizado de sonoridades, plástico de reflexões e de rítmica, mas que o ensino tem estereotipado em poucas fórmulas convencionais. Inicialmente, por uma imitação servil dos modelos clássicos, como se todas as possibilidades idiomáticas estivessem neles contidas, como se a língua fosse um produto estável e não uma atividade criadora, érgon e não enérgeia, na distinção de Humboldt. Depois, em nossos dias, pela concorrência de um radicalismo contrário, surgiu a atitude niilista, que não admite normas nem quaisquer interferências no falar do educando, mesmo aquelas que viriam enriquecê-lo com propiciar-lhe um maior número de opções. A única regra passa a ser a livre criação individual, caminho supostamente aberto para uma eficácia ideal de comunicação e expressão. Mas como a criatividade não estimulada pelo conhecimento, pela progressão do pensamento lógico, tende a convencionalizar o afetivo num pequeno número de topismos sintáticos e numa meia dúzia de palavras-ônibus que economizam todo o vocabulário, o resultado deste ensino está aí à nossa vista: “pobreza na quantidade, relaxamento na qualidade”»
Celso Cunha, Op. cit., p. 25.
Sobre as tentativas dos nacionalistas radicais para institucionalizarem uma «língua brasileira», escreveu Afrânio Peixoto:
«Não há liberdade, nem liberdades contra a língua […] Não há força que no mundo possa modificar a história. Não há desapropriação espiritual […] Belgas e Suíços não são menos autónomos por falarem francês, nem pensaram jamais em dar um pseudónimo nacionalista à linguagem que falam, e é deles também. Por isso, também não há língua canadense, nem argentina, nem australiana: não haverá jamais língua brasileira […].
No dia em que a política, de um alarmado nativismo, instituísse uma “língua brasileira”, os tradutores públicos dessa língua em português morreriam de fome. A lógica nos levaria a criar logo as línguas gaúcha, mineira, paulista, baiana, diversas do “brasileiro” do Rio, a pretendida língua nacional.
Não exagero: entre Baía e Rio as diferenças serão, por vezes, maiores que entre Maranhão e Coimbra»