Todos os povos procuram manter e reforçar a sua identidade face aos demais. Não que se autoconcebam necessariamente como os mais perfeitos ou entendam a relação com os outros como uma luta de interesses que desague inevitavelmente no aniquilamento de um dos lados. A relação intercultural não tem de ser interpretada desta maneira. E não o é, na maior parte dos casos. Mas tal não invalida que todos se orgulhem pelo facto de se sentirem pertença de uma dada cultura, povoada de símbolos, de textos fundacionais, de uma história que funciona como elemento agregador, de certas visões do mundo que se não confundem com as dos outros, etc. E é igualmente saudável que todos se deixem deslumbrar pela diversidade cultural que habita o nosso planeta. Dar e receber, num intercâmbio sem fim, enriquece o mundo, hoje ameaçado pela estandardização cultural e pelo consequente decréscimo da pluralidade, depauperando indivíduos e povos. É, por isso, essencial, que nos recusemos a consumir apenas um certo tipo de cultura, uma certa moda que tudo tende a absorver e a conquistar, a expensas de outras expressões se não mais ricas, pelo menos igualmente dignas de existir e de se expressarem.
É difícil dizer o que é propriamente a identidade de um povo. Até porque são muitos os ingredientes que a compõem. No entanto, há um aspeto que ninguém se atreve a negar quando se refere a esta questão: a importância da língua como fator de identificação e de inclusão numa comunidade mais ou menos alargada. De forma a preservar a sua estrutura identitária, seria então expectável que todos os povos tivessem uma língua própria. E tiveram-na. Todavia, por motivos históricos, algumas línguas acabaram por definhar e sucumbir, cedendo o passo a outras. Esse facto teve os seus aspetos positivos e negativos. Por um lado, com a perda de línguas específicas, assistiu-se a algum enfraquecimento das identidades (e, portanto, da diversidade cultural planetária), ou talvez melhor: a uma modificação identitária, uma vez que a identidade não é, de modo nenhum, uma realidade estática, nem sequer para os povos que falam a mesma língua há muitos séculos. Aí está a mudança diacrónica, interna ao sistema da língua, a provar isso mesmo. Por outro lado, o que perderam em especificidade ganharam em quantidade e em qualidade. Em quantidade por integrarem comunidades mais vastas com as quais partilham a mesma língua, o que projeta e torna mais visível um determinado país, por mais pequeno que seja, na comunidade internacional. Em qualidade porque se relacionam com a cultura dos restantes países que usam a mesma língua numa base de intercâmbio que a todos valoriza. E o contributo de cada um, tanto do ponto de vista da literatura como de outras formas culturais, é igualmente uma mais-valia para os restantes.
É assim também com a língua portuguesa. Por força da sua história, esta língua, predestinada a confinar-se a uma estreita faixa de terra a ocidente da Península Ibérica, rompeu o destino que naturalmente lhe estava traçado e embarcou rumo a outras latitudes e longitudes, onde plantou as sementes da sua identidade. Hoje cresce nos chamados países de expressão oficial portuguesa. Contudo, tem uma existência frágil e contingente. Desde logo, tem de concorrer com um sem número de outras línguas que insistem em invadir-lhe o espaço que a história lhe legou. Porém, a responsabilidade pelo crescimento desta delicada planta não é dos outros. É nossa. Se não investirmos destemidamente na sua consolidação e expansão, outros o farão em relação às suas línguas e seremos tragados em virtude da nossa inação ou desinteresse.
Sendo hoje uma das línguas mais faladas no mundo, não se compreende a razão pela qual só foi, até ao momento, atribuído um nobel da literatura a autores de língua portuguesa. É por falta de mérito ou qualidade? Não creio. Aí está a grande literatura escrita em português a testemunhar o oposto. Há, contudo, um aspeto que descuramos, perdendo assim os autores de língua portuguesa para aqueles que são sustentados por poderosas máquinas publicitárias: a divulgação dos seus tesouros.
É possível alterar esta circunstância? Estou em crer que sim. Portugal sozinho não tem, decerto, como fazer face a tamanho desígnio. Os recursos de que dispõe são notoriamente insuficientes. Mas a conjunção de esforços de todos os países que usam o português como língua oficial pode fazer a diferença. A nós, portugueses, cabe abrir mão de algumas conceções mesquinhas que ainda balançam teimosamente nas nossas mentes. Na realidade, não temos de ser nós a liderar o processo. Outros o poderão fazer, talvez melhor e de forma mais eficaz do que nós o faríamos.
A este propósito, gostaria de saudar — ao arrepio da opinião de alguns — o «novo acordo ortográfico». É, sem dúvida, um poderoso meio de aproximação da escrita em português e tudo quanto possa agilizar o uso da língua no espaço internacional é bem-vindo. Para quê criarmos obstáculos à divulgação e uso internacional da língua se podemos com pouco esforço e muitas vantagens, facilitar a sua internacionalização? E não se trata, como pretendem fazer crer os detratores do acordo, de uma substancial perda de identidade. A língua — e agora não me refiro à sua componente escrita, mas à língua falada, que é afinal a essência de toda a língua — está constantemente sujeita a mudanças, sob a pressão de fatores endógenos e exógenos. Será isso uma perda de identidade? Se o for, nada podemos fazer para a fixar a padrões do passado. Ela mudou, muda e continuará a mudar, por força da sua condição temporal. E manter a escrita num estado arcaico, cada vez mais afastado da sua vertente oral é um contrassenso cuja justificação só se pode aceitar no quadro de um pensamento fixista e a-histórico. Tudo o que é humano corre no fluxo do tempo. Inexoravelmente.
Por que razão se inflamam tanto as pessoas quando discorrem sobre o sistema ortográfico que deve vigorar numa determinada língua? A resposta a esta pergunta parece relacionar-se com a questão da identidade cultural. A língua é, na verdade, um dos elementos que mais contribuem para a identificação cultural e nacional. Alterar qualquer aspeto que com a língua se relacione é sentido pelos seus utentes como uma espécie de atentado de lesa-pátria. E como a pátria configura o universo de pertença pessoal, é sentido como um duro golpe na própria identidade pessoal.
Dito isto, convém aceitarmos que de um diálogo sobre questões de opinião (como em larga medida é o caso) decorrerão sempre perspetivas diferenciadas, pelo que não será possível quase nunca atingir a unanimidade. Além disso, em situações como esta, o que conta não são as emoções que transbordam para dentro do discurso, mas as razões avançadas e a força probatória que tiverem. Só assim poderemos manter aquela distância crítica que nos permitirá ouvir os argumentos dos outros, produzir os próprios sem qualquer espécie de constrangimentos e contra-agumentar com seriedade e correção lógica. E é assim que deve ser tratada a candente questão do acordo ortográfico.
A mudança na língua e na ortografia: uma inevitabilidade
Qualquer pessoa minimamente informada saberá que o português não se escreveu sempre da mesma maneira. Houve adaptações sucessivas da grafia à mudança da língua. De facto, porque a língua muda, procurando novas soluções para a comunicação verbal, e fá-lo com alguma rapidez, também a escrita tende a adaptar-se à oralidade, embora de forma mais lenta. Todos nós temos a experiência de que já não falamos da mesma maneira que os nossos bisavós, ou mesmo os nossos avós. A maneira como eles falavam soa-nos a arcaico, por vezes até bizarro. Quando tal acontece, estamos a testemunhar a mudança linguística. Nem todas as mudanças têm o mesmo valor ou alteram aspetos substanciais da língua. Mas a mudança é um fator inerente à condição histórica das línguas naturais. Não há como a fixar eternamente num determinado estádio. Por mais que o queiramos fazer, ela surpreende-nos com novas soluções.
O grande património cultural de um povo, que é a sua expressão linguística, não é estático. Bem pelo contrário. Isso significa que a defesa do património linguístico não passa pela prisão da língua através de purismos que nada têm que ver com o dinamismo que a realidade imprime. A mudança da língua não é inimiga da defesa do património cultural de um povo.
Querer, confessada ou inconfessadamente, a imutabilidade da língua (no plano escrito ou oral) é o mesmo que recusar a historicidade de tudo o que é humano. Ora a temporalidade é uma dimensão que se não pode negar. É um simples facto, que se não submete às opiniões dos falantes. A língua, tanto no plano oral como escrito, muda por causa da sua condição histórica. A negação disto é permanentemente falsificada pelos dados concretos. O português medieval não é idêntico ao português da época do Renascimento e muito menos ao português contemporâneo. Algum vocabulário tornou-se obsoleto (arcaísmos); novos vocábulos vieram enriquecer a língua; houve alterações no plano morfológico, sintático e semântico…
Por todas estas razões, é impossível manter fixa a ortografia de uma língua, se quisermos que ela acompanhe a mudança inerente à sua própria condição. Até 1911, por exemplo, em Portugal não havia uma grafia única do português. A variação gráfica era muito mais abundante do que após a entrada em vigor da primeira lei que veio estipular uma norma ortográfica obrigatória. Não devemos, pois, recear mudanças na norma ortográfica, desde que estejam acauteladas as condições mínimas de qualidade. Posteriormente, nova legislação veio introduzir alterações à mesma norma. Em todos os casos, houve opositores às reformas. Mas elas consolidaram-se de tal forma que hoje ninguém quer regressar ao tempo em que se escrevia, por exemplo, <prèviamente>[1]. Habituámo-nos às novas regras. Interiorizámo-las. Fazem hoje parte do nosso património de saberes e competências. Esse facto veio tornar o seu uso incontroverso e, simultaneamente, produzir novas resistências a mudanças posteriores. E a história repete-se. O acordo ortográfico que entrou recentemente em vigor em Portugal levanta tantas animosidades como as mudanças introduzidas por anteriores legislações. Tal significa que as mudanças são ao mesmo tempo inevitáveis, mas controversas, como quase tudo o que é humano.
O plano fonológico e o plano ortográfico
Como o próprio nome indica, um acordo ortográfico só intervém no plano da grafia (escrita) e não no plano fonológico (o plano da oralidade). E é fácil de provar que uma língua é essencialmente a configuração que toma do ponto de vista da sua realização oral. A escrita é um sistema semiótico distinto em relação ao sistema semiótico da língua, enquanto produção oral. Na verdade, se teimássemos em incluir na essência de uma língua o plano da sua manifestação gráfica, então teríamos de concluir que os povos que nunca adotaram um sistema gráfico nunca teriam tido uma «língua» no pleno sentido da palavra. O que seria então o complexo sistema semiótico verbal que usavam quando comunicavam entre si? Claro que tudo depende também do significado que atribuímos à palavra «língua». Assim sendo, parece-me dever-se inferir que uma língua é essencialmente o sistema semiótico verbal que se realiza na oralidade, sendo a escrita um instrumento extremamente útil mas não essencial à sua definição. Isso não significa que a escrita não tenha sido um avanço civilizacional gigantesco para a humanidade. Permitiu a fixação da cultura e a sua transmissão sem as perdas que naturalmente ocorrem na oralidade. Mas muitos povos tiveram línguas sem alguma vez terem conhecido qualquer sistema semiótico específico que permitisse o seu registo gráfico e, portanto, nunca transpuseram a comunicação de um sistema semiótico para outro.
Esta distinção é fulcral para que se não diga que estamos a alterar a língua portuguesa quando o acordo quer apenas introduzir alterações no seu sistema ortográfico. O nível da língua propriamente dito permanece o mesmo. Muda apenas a sua configuração gráfica.
Aquilo de que se fala, quando nos referimos ao acordo ortográfico, não é da mudança na substância da língua ou sequer de qualquer elemento da sua vertente fonológica, mas simplesmente da mudança ortográfica. Esta confusão aparece uma vez ou outra no discurso, por vezes de forma inconsciente, outras vezes de forma demagógica (como não há argumentos, instala-se a confusão que é sempre a melhor forma de fazer passar uma ideia que não tem consistência). A ortografia de uma língua é um sistema de signos que pretende representar, num formato mais duradouro, as produções linguísticas orais, possibilitando também a comunicação à distância. É, por isso, muitíssimo útil. Tal como a língua muda, também o sistema ortográfico tem inevitavelmente de mudar. Uma vez que ele pretende representar o mais fielmente possível do ponto de vista grafemático as produções fonológicas (como acontece com o sistema gráfico alfabético), tem de se ir adaptando às mudanças linguísticas que ocorrem. Como já foi dito, a ortografia é mais conservadora do que a língua. Quando muda, é porque se torna praticamente insustentável a distância entre a produção fonológica e a sua forma escrita. De facto, se a ortografia nunca tivesse mudado, estaríamos ainda a escrever as palavras em latim (para a maior parte do nosso léxico) e a fazer um enorme esforço de adaptação dos signos gráficos aos signos fonológicos. Se isso tivesse sucedido, podemos suspeitar a dificuldade que seria aprender a escrever e a ler em português! Mas a verdade é que o bom senso imperou ao longo dos séculos: conforme a língua ia mudando, os escritores (sempre com algum atraso) iam adaptando a escrita, deixando cair grafemas ou introduzindo outras alterações que aproximassem a língua escrita da língua falada.
Ora se este foi um processo universal, um processo que sempre aconteceu, qual a razão pela qual nós não podemos hoje alterar o nosso sistema gráfico para o despojar de arcaísmos sem correspondência com a língua falada? Por que razão haveremos, por exemplo, de manter as chamadas consoantes mudas (consoantes gráficas sem correspondência fonológica), quando se não pronunciam há já muitíssimo tempo, tornando mais difícil a aprendizagem da escrita e da leitura a estrangeiros e às nossas crianças?
Mas — dirão os opositores — não haverá interferência de um plano sobre o outro de tal modo que, ao modificarmos a escrita, estejamos também a introduzir sub-repticiamente modificações no plano fonológico, alterando assim a substância da língua? É verdade que alguma interferência existe, mas sobretudo no sentido de o sistema oral interferir diretamente sobre o sistema escrito e só muito raramente e quase sempre de forma circunstancial o inverso. De um modo geral, a interferência da grafia sobre a oralidade pode acontecer mas não tem efeitos duradouros. Resulta de uma leitura errada que é frequentemente corrigida pelo leitor ao verificar a falta de sentido que tal leitura ostenta. As diferenças entre o português do Brasil e o português europeu não podem ser explicadas com base na existência de dois sistemas gráficos distintos. Bem pelo contrário, é o facto de a língua propriamente dita (a sua produção oral) apresentar diferenças consideráveis nas duas variedades que conduziu a acomodações dos sistemas escritos com notáveis diferenças entre si (apesar de as diferenças ortográficas não poderem ser todas atribuídas a distinções do plano oral). Podemos, pois, concluir que, de uma forma geral, a interferência do nível fonético sobre a escrita é muitíssimo maior e mais duradouro do que a interferência em sentido oposto.
Méritos do acordo ortográfico
O atual acordo ortográfico é não só importante para uma certa uniformização da ortografia no espaço da língua portuguesa, como é necessário para que a escrita se aproxime da língua oral e o divórcio entre ambas não aumente as dificuldades de aprendizagem que o português já tem devido à complexidade da sua natureza.
Os velhos do Restelo sempre pretenderam colocar diques à corrente da história, mas todos os seus esforços se tornam inúteis. Não querem perceber que a condição histórica do ser humano e, consequentemente, a condição histórica de tudo o que é humano (como a língua e a ortografia) impõe mudanças que seguem o seu caminho, apesar dos cavaleiros do passado continuarem a lutar contra moinhos de vento.
Os detratores do acordo ortográfico chamam amiúde à colação o caso do inglês, com as suas grafias diferenciadas de acordo com as várias regiões do globo onde é usado. Contudo, o inglês não tem o mesmo problema que o português para se impor no mundo. O inglês é, quer queiramos quer não, a língua de comunicação global. O português não passa de uma entre muitas línguas no mundo, quase só compreendida por quem a tem como língua materna ou língua segunda. Dadas as diferenças, é natural que se exija a esta a coesão ortográfica que não é necessária àquela.
Um outro argumento largamente difundido é o de que as editoras brasileiras vão começar a penetrar em Portugal, sufocando o nosso mercado editorial. Este argumento esquece que a diferença entre o português europeu e o português do Brasil não é, nem de perto nem de longe, apenas ortográfico; mantêm-se as diferenças no plano da língua propriamente dita: no plano fonológico, mas especialmente nos planos sintático e lexical. As dificuldades de penetração do livro brasileiro no mercado português ficam atenuadas com a entrada em vigor do acordo, mas não desaparecem.
É também verdade que o mercado dos PALOP (e não o português com os seus escassos dez milhões de habitantes) é uma razão para o Brasil desejar este acordo, mas não tenho a certeza de que os PALOP estejam assim tão interessados na variedade brasileira do português ou, como tem sido até aqui, o seu interesse se mantenha na preservação da variedade europeia (como norma, porque o português nos PALOP se está a inculturar através de alterações significativas).
De qualquer forma, é decerto muito mais importante para o mercado editorial português penetrar no mercado brasileiro com os seus duzentos milhões de habitantes, do que o contrário. Quem beneficia, afinal, é Portugal.
A coexistência de duas normas ortográficas no mundo da língua portuguesa — a norma europeia e a norma brasileira — exige que uma e outra comunidade façam um esforço de uniformização da escrita. Um dos principais objetivos do acordo é, pois, uniformizar, até onde for possível, as duas normas para que a língua portuguesa se possa afirmar no mundo como língua de comunicação internacional e possa ser usada nas mais variadas situações internacionais. Facilitará também o ensino da língua tanto para nacionais como para estrangeiros.
Ninguém é ingénuo a ponto de considerar que este esforço de convergência possa conduzir a uma total uniformização das duas ortografias. Uma vez que os critérios usados numa reforma ortográfica são essencialmente dois — o critério etimológico e o critério fonético —, haverá sempre descontinuidades fonéticas que não permitirão uma uniformidade absoluta. Alguns criticam a preferência pelo critério fonético que o acordo ortográfico adotou.
No plano ideal, o mais transparente e adequado sistema gráfico alfabético (não nos interessa considerar, neste contexto, os não alfabéticos) seria aquele em que a um som corresponde uma e apenas uma letra (grafema) e vice-versa. O latim clássico — não sendo totalmente um sistema deste tipo — aproximava-se bastante deste ideal. Todas as letras teriam realização fonética (não havia consoantes mudas). Até o <h> corresponderia a uma aspiração, não sendo, portanto, um signo sem realização fonética («mudo»). Com as profundas mudanças que o latim sofreu, por influência de vários fatores que agora não importa referir, surgiram as diferentes línguas românicas. A escrita das línguas novilatinas já não obedecia a um critério fonético tão estrito. Todas tinham uma tradição escrita de grande prestígio — a tradição latina — que exercia a sua pressão sobre os sistemas gráficos adotados. O critério fonético passou a ter de partilhar a sua importância com o critério etimológico. Mesmo que alguns grafemas deixassem de ter realização fonética, permaneciam como obras de museu testemunhando a sua origem histórica. Este facto veio evidentemente complicar a escrita. Para escrever «corretamente», era agora preciso saber alguma coisa de latim ou memorizar pura e simplesmente a forma gráfica de uma dada palavra quando um ou vários grafemas deixavam de ter realização fonética ou um grafema passava a assumir várias realizações fonéticas, etc. Pouco a pouco, os utentes da língua escrita tiveram de ir acompanhando as mudanças inerentes à língua e adaptando a escrita por forma a que o plano gráfico se não afastasse demasiado daquele ideal a que fizemos referência mais acima (equivalência entre o plano fonético e o sistema da escrita). Porque haveremos então de nos insurgir contra o acordo atual exatamente por pretender também uma transferência maior entre os dois sistemas semióticos? O critério fonético para as reformas da escrita não é menos importante do que o critério etimológico. Em princípio, uma reforma consistente deve incluir de forma equilibrada os dois critérios, como me parece ser o caso do acordo.
Os argumentos dos opositores ao acordo
Parece-me excessiva a posição de Vasco Graça Moura ao defender que «o acordo não leva a unidade nenhuma». Não levará a uma unidade absoluta, mas ao suprimir algumas distinções (por ex.: a presença-ausência das chamadas consoantes mudas) que antes existiam entre as duas normas ortográficas, produz alguma uniformização da escrita. Uma total uniformização não seria sequer desejável porque seria sentida como imposição de uma norma, sem qualquer fundamento no plano fonético. Mas conseguir alguma uniformização é já um ganho que devemos saudar.
O problema de Vasco Graça Moura parece ser o de entender o acordo como uma imposição da norma brasileira ao espaço do português europeu. E nisto não o sigo. O caso mais evidente é o da supressão das consoantes mudas. Para que haveremos nós de continuar a escrever grafemas que correspondem a excrescências obsoletas? Isso requer um enorme esforço de memorização que dificulta em larga medida a aprendizagem da escrita e não representa qualquer vantagem para os utentes da língua. No fundo, estamos em continuidade com os nossos antepassados quando suprimiram, por exemplo, grafemas não articulados em palavras como <práctica>, <sancto>, <assumpto>, <aflicto> ou <aflicção>, ou alteraram as sequências <mpt> (ex.: <peremptório>), <mpç> (<assumpção>) e <mpc> (<assumpcionista>), quando a queda do <p> implicou a transformação do <m> em <n>: <perentório>, <assunção>, <assuncionista>.
Neste acordo, refere Graça Moura, não foram tidas «em conta as pronúncias africanas.» Mas esse problema poderá ser colmatado com a produção de novos instrumentos (vocabulários e dicionários) que prevejam a introdução de vocabulário específico dessas áreas geográficas ou especificidades próprias da língua portuguesa nesse espaço. Será trabalho para o tão desejado quanto necessário Vocabulário Ortográfico da Língua (e ulterior dicionário) comum a todo o espaço do português. Mas para a afirmação da língua no estrangeiro e para o seu prestígio internacional, dentro e fora do espaço onde se fala português, é urgente que tal vocabulário e decorrente dicionário sejam produzidos com rigor e denodada persistência.
Será mesmo verdade que se pode «criar uma fratura caso um país ou um pequeno grupo coloque em prática o Acordo» (Graça Moura)? Talvez, mas certo é que a fratura já existe! É um dado de facto inequívoco. A existência de duas normas ortográficas é a mera manifestação de tal realidade. A entrada em vigor do acordo em alguns países (neste momento, a maior parte deles) da comunidade de língua portuguesa vem diminuir essa distância. Penso que valerá a pena fazê-lo, mesmo correndo o risco de Angola e Moçambique não ratificarem o acordo e perpetuarem a norma ortográfica europeia anterior ao acordo. É certo que teremos, nesse caso, novamente duas normas em simultâneo. Mas estou em crer que as vantagens de uma única norma são tantas que os dois países africanos que ainda não ratificaram o acordo o farão a médio prazo. De qualquer forma, se estamos à espera que todos avancem, provavelmente nada se fará. Tal como a construção da União Europeia se tem processado lentamente, porque estão em causa soberanias distintas, também os acordos internacionais no âmbito da língua portuguesa, exatamente porque derivam de Estados soberanos, se farão com alguma lentidão. Mas isso não é argumento para manter tudo tal como está!
Também discordo daqueles que veem no acordo uma cedência inadmissível de Portugal aos interesses do Brasil, como se se tratasse de um combate entre inimigos para alcançar a hegemonia. Nem perfilho o ponto de vista de quem se coloca permanentemente numa posição de desconfiança em relação ao Brasil («a história das tentativas de acordo ortográfico não dá garantias de que o Brasil cumpra o proposto, a não ser que isso favoreça a edição brasileira em detrimento da portuguesa»). Com base numa tal suspeição, ainda que fundada na «história das tentativas de acordo ortográfico», jamais será possível realizar qualquer acordo, uma vez que há sempre a possibilidade de uma das partes não cumprir aquilo a que se obrigou. Não sou ingénuo. Bem sei que um acordo entre Estados independentes se funda nos interesses de cada um deles. E se os interesses forem em larga medida convergentes? Valerá a pena renunciar a aspetos gráficos anacrónicos para aproximarmos os dois sistemas gráficos. Além disso, as vantagens do atual acordo não estão apenas relacionados com a política da língua e a sua projeção no mundo. Também há evidentes vantagens pedagógicas internas. Para quê mantermos aspetos obsoletos da escrita, que em muito dificultam a aprendizagem da escrita e a produção escrita correta (de acordo com as normas em vigor)? Os professores sabem bem que uma boa parte dos erros ortográficos depende da distância entre o sistema ortográfico e o sistema fonético da língua portuguesa. Muitos erros mais não são do que interferências fonéticas no sistema ortográfico (a chamada «escrita fonética»).
Para Vasco Graça Moura, «é falso que a reforma ortográfica institua uma norma tanto quanto possível única para a escrita do português. Com facultatividades não há normas únicas.» Ora é preciso sublinhar que uma norma tanto quanto possível única não é o mesmo que uma norma única. Aquilo que o acordo pretende é instituir, na medida do possível, uma norma para todo o espaço da língua portuguesa. É essa a razão, creio eu, por que introduz as grafias facultativas. Se instituísse uma distinção gráfica para cada variedade do português teria de assumir a existência de duas normas distintas. De qualquer forma, também me parece que a solução preconizada pelo acordo, no que diz respeito a casos específicos de pares facultativos, não é a melhor. Introduz no interior de uma mesma variedade do português níveis de arbítrio pessoal sustentados legalmente, mas não consentâneos com orientações precisas sobre a forma gráfica dos vocábulos.
Estou, pois, essencialmente de acordo com o que preconizam Castro, Duarte e Leiria (1987: 8): «Defender uma versão fraca de unificação significa admitir grafias duplas no espaço lusófono, mas uma e apenas uma grafia em cada espaço nacional em que o português seja língua materna ou língua oficial.» Isso significaria que, onde o acordo ortográfico faz referência ao uso facultativo de uma dada forma gráfica (por ex.: com ou sem «consoante» muda), deveriam antes ser definidas duas regras distintas, cada uma aplicável a uma ou mais variedades.
Contudo, há que referir, em abono da verdade, que o problema da dupla grafia no interior de uma variedade do português não foi criado pelo acordo, é a ele preexistente. De facto, a título de exemplo, já eram facultativos os pares alternativos seguintes, entre outros: <bêbedo-bêbado>, <baloiçar-balouçar>, <oiro-ouro>, <cobarde-covarde>, <impacte-impacto>, <rotura-ruptura> (este último é particularmente interessante uma vez que não há variação fonética). O acordo teria sido uma ótima ocasião para a uniformização gráfica no interior da mesma variedade do português, tendo como referência o registo-padrão da língua.
Penso que se pode interpretar o uso facultativo dos grafemas não articulados («consoantes» mudas), a partir do texto do acordo, como justificação de especificidades normativas no mundo da língua portuguesa, mas tendendo a uma estabilização da grafia dentro da mesma variedade. O problema coloca-se quando estamos perante situações em que os falantes de um registo-padrão (no interior de uma variedade) ora pronunciam ora não pronunciam esse grafema (ex.: caraterística-cara[c]terística…). Nesse caso, parece-me de bom senso que se registe sempre o grafema.
Já não sigo os opositores ao acordo ortográfico quando defendem a manutenção irrestrita dos grafemas não articulados (as chamadas «consoantes» mudas). Em palavras como <acção-ação>, <óptimo-ótimo>, <baptismo-batismo>, <tecto-teto>, o argumento mais usado para a manutenção das consoantes gráficas é o de cumprirem a função de abertura das vogais átonas que as precedem. Consequentemente, a perda das «consoantes» alteraria alegadamente a realização fonética das vogais precedentes. É neste contexto que se fala do valor diacrítico destas consoantes gráficas.
Discordo inteiramente desta visão. Tal como Malaca Casteleiro observou, «a oralidade precede a escrita. A palavra tem uma imagem acústica e uma imagem gráfica. É a gráfica que alteramos. A acústica mantém-se igual. E há palavras em que a consoante muda não abre a vogal: é o caso de <actual>.» Se o acordo ortográfico persegue o fim de uniformizar, tanto quanto possível, as grafias usadas nos dois lados do Atlântico, a supressão destes grafemas era uma inevitabilidade. Não seria de esperar que o Brasil introduzisse grafemas não articulados em todo o espaço da língua portuguesa, há muito suprimidos do sistema ortográfico brasileiro.
O valor diacrítico das consoantes mudas significa, portanto, que representam graficamente a abertura da vogal anterior. Contudo, se tal fosse verdade, todas as palavras nestas circunstâncias haveriam de exibir vogais átonas abertas em contexto anterior à consoante gráfica não articulada. Mas isso não se verifica. Várias palavras com consoantes gráficas não articuladas não têm sempre vogal anterior aberta: <accionar> (e algumas formas do mesmo verbo), <actuar> (e várias formas do mesmo verbo), <exactidão>, <tactear>, <retractar>… Por outro lado, também não faz sentido manter a consoante com «valor diacrítico» onde já existe um diacrítico a indicar a sílaba tónica e a abertura da vogal, como por exemplo, na palavra <sintáctico>. Para que precisamos de dois sinais diacríticos com a mesma função? Por outro lado, não é a presença na escrita de um grafema destituído de valor fonético que mantém abertas as vogais átonas, ou o seu desaparecimento que as emudece. Isso equivaleria a sustentar que o sistema ortográfico tem uma influência decisiva sobre a mudança no sistema da língua, o que não corresponde à verdade, como referimos acima. Bem pelo contrário, são as mudanças na língua (no plano oral) que implicam uma adaptação do sistema gráfico. O facto de ter existido a consoante <c> com valor fonético em <acção> não evitou que ela deixasse de se articular. O facto de existir o mesmo grafema, mas agora sem valor fonético, em <actuar> não evitou que a vogal átona anterior emudecesse. Concordo, por isso, que todas as chamadas consoantes mudas sejam sistematicamente suprimidas do sistema ortográfico, simplificando-o.
Já estamos perante um problema diferente quando se trata de grafemas que oscilam entre a articulação e a não articulação. Neste caso, preferia a sua manutenção no plano da escrita.
Quanto ao problema das homógrafas heterofónicas (ex.: <pára>, verbo parar, e <para>, preposição), já não me parece que o acordo tenha seguido a melhor solução ao suprimir nalguns casos os acentos gráficos distintivos, mantendo-os noutros casos. Na primeira situação estão palavras gráficas como <para>, que representa tanto uma forma do verbo parar como a preposição, <pelo>, que representa um nome e a contração da preposição com o artigo, ou <pela>, que representa uma forma do verbo pelar e a contração da preposição com o artigo; no segundo caso estão as palavras <pôr> (infinitivo do verbo) e <por> (preposição). Há aqui uma evidente discrepância injustificada de critérios. A meu ver, por questões de legibilidade imediata, deveriam ser mantidos os diacríticos que distinguem as homógrafas heterofónicas.
Para se não julgar que as alterações ocorrem essencialmente no interior da norma europeia do português, convém explicitar que a norma brasileira também sofre alterações importantes com a eliminação do trema em palavras como arguido, tranquilo, etc., com a supressão do acento agudo gráfico nas palavras graves cuja tónica é constituída pelo ditongo /ei/ como <ideia>, <assembleia>, etc.
E contrariamente ao que por vezes se ouve, o acordo ortográfico não altera o plano da gramática da língua (morfologia, sintaxe, semântica…). Não estabelece a criação de novas palavras, nem a abolição de outras, não configura uma nova ordem de colocação das palavras na frase, não altera nem acrescenta significados a vocábulos existentes, etc. O acordo refere-se tão-só à forma como as palavras se escrevem (nível ortográfico).
Também não há mudanças substanciais quanto ao uso do <h>, nem são suprimidas, na ortografia portuguesa, as consoantes articuladas em palavras como <facto> ou <pacto>, exatamente porque em todo o território nacional se articulam.
A questão dos custos associados à entrada em vigor do acordo ortográfico tem evidentemente alguma razão de ser, mas não me parece dirimente, uma vez que foram acautelados os interesses económicos dos editores e livreiros, permitindo um lapso de tempo suficientemente largo para que os anteriores materiais pudessem ter escoamento no mercado e só se realizassem edições atualizadas após o escoamento das anteriores. Aliás, o tempo de transição é tão alargado que a relevância lógica da argumentação com base em custos incomportáveis (ou perto disso) é residual. Isto sem querer escamotear os custos inerentes à substituição (que terá de ser progressiva e não abrupta) de livros em bibliotecas escolares.
Outro problema que os opositores ao acordo levantam é jurídico. Ao não preverem sanções, as novas normas ortográficas «não se revestem de carácter obrigatório.» E no seu tom polémico defende Vasco Graça Moura o seguinte: «Isto é tanto mais grave quanto é certo que o Acordo Ortográfico não se encontra em vigor. Só por aberrante raciocínio jurídico poderia aceitar-se o contrário, uma vez que o documento não foi ratificado nem por Angola nem por Moçambique, pelo menos. Logo não produz efeitos na ordem interna de nenhum dos oito países subscritores.
«Não vale absolutamente nada um protocolo laboriosamente parturejado na CPLP, para forçar os países que não querem acordo nenhum a “engolirem” o dito, lá porque houve três ratificações.»
A sua aplicação só seria possível, portanto, depois de ratificado pelos sete Estados. Mesmo o segundo protocolo (que prevê a aplicação do acordo após ratificação por três Estados) «não é um acordo apenas entre três Estados, como houve quem sustentasse para extrair a conclusão viciada de que, sendo assim, ele se aplicava logo àqueles que já o tivessem ratificado. É um acordo entre sete e carece da ratificação de todos os sete» (Vasco Graça Moura).
Mas esta posição é, do ponto de vista jurídico, insustentável, como Vital Moreira demonstrou. O acordo é um «tratado internacional (acordado em 1990), que se tornou norma jurídica obrigatória nos países que o ratificaram juntamente com o protocolo adicional de 2004 respeitante à sua entrada em vigor. Entre nós, sucede até que os tratados internacionais são de aplicação direta na ordem interna, sem necessidade de serem transpostos por lei nacional, e têm mesmo força superior às leis internas, que não os podem contrariar. Não estamos portanto perante uma simples recomendação ou orientação, sem força vinculativa, cujo seguimento fique à livre disposição dos destinatários. Tal como em relação às leis, a discordância não legitima o seu incumprimento.
«A obrigatoriedade da reforma ortográfica da língua portuguesa vale desde logo para as publicações oficiais e para os serviços públicos, incluindo o ensino oficial (ou equiparado), de acordo com o calendário estabelecido pelas normas de implementação que sejam estabelecidas internamente» (Vital Moreira).
E Fernando Guerra veio clarificar, a respeito do segundo protocolo adicional, que «o objetivo dos Estados signatários consistia em possibilitar a entrada em vigor do Acordo entre Estados já preparados para tal, independentemente da ratificação por todos não só do Acordo mas também desse mesmo protocolo.
«O II Protocolo Modificativo não precisa da ratificação de todos os Estados subscritores do Acordo pela simples razão de que este, à data da celebração do Protocolo, ainda não era vinculativo para nenhum. Na verdade, o Acordo Ortográfico de 1990 não vinculava ainda qualquer Estado, por não ter sido ratificado por todos — o que era originariamente um requisito da sua vigência —, nada impedindo a uma parte dos Estados acordar que ele passaria a vincular aqueles que o ratificassem (desde que pelo menos três), sem esperar pelos outros. Entender no sentido oposto seria contrário à redação e ao objetivo do II Protocolo, esvaziando-o de qualquer conteúdo. Entender que o II Protocolo terá, para entrar em vigor, de ser ratificado por todos os Estados signatários “como qualquer outro ato de direito internacional”, como pretendem os opositores do Acordo, é desconhecer o normativo do direito internacional e desconhecer as regras de interpretação do direito em geral.
«O art.° 18.° da Convenção de Viena sobre o direito dos tratados impõe aos Estados “a obrigação de não frustrar o objeto e a finalidade de um tratado antes da sua entrada em vigor”. O art.° 26.° do mesmo diploma acolhe o princípio pacta sunt servanda: “Todo o tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé.” O Estado português não pode continuar a protelar sine die e sem razões claras a aplicação de um tratado que o obriga, sob pena de violação dos princípios básicos do direito e da convivência internacionais.»
Parece-me claro e devidamente justificado. Se fizéssemos depender do arbítrio de cada um a forma como se escreve na escola ou em atos oficiais não seria necessário haver uma norma ortográfica. A existir, só pode exigir dos utentes da língua que se conformem às suas normas, quer concordem quer não concordem com elas. Este é o fundamento de um Estado de direito. As normas devem ser por todos respeitadas e estão acima do arbítrio individual (exceto, evidentemente, em casos de ofensa aos direitos fundamentais e à dignidade das pessoas).
Algumas sugestões
Se me é permitido, gostaria de terminar com algumas propostas que pudessem eventualmente ser tidas em conta em futuras revisões:
– Eliminação do caráter facultativo da utilização de grafemas não articulados («consoantes» mudas), quando se pronunciam em algumas áreas geográficas e não se pronunciam noutras. Neste caso, parece-me mais sensato manter a dupla grafia para variedades diferentes do português, mas uniformizá-la no interior de cada uma das variedades. Nos casos em que alguns falantes da mesma variedade do português pronunciam a consoante e outros não (por ex.: <característica-caraterística>…), deveria, pois, manter-se a consoante na escrita.
– Drástica diminuição do uso dos acentos gráficos com extinção de quase toda a acentuação gráfica, eliminando aí um fator de pluralidade entre Portugal e o Brasil. Manter-se-iam apenas o diacrítico que representa a nasalidade das vogais e aqueles que procedem à desambiguação nas homógrafas heterofónicas. De facto, os casos de desambiguação são aqueles em que me parece fazerem mais falta os acentos gráficos, por promoverem uma maior legibilidade dos textos. Tal reforma exigiria que se reintroduzisse o acento onde já não existia antes do acordo atual.
– Definição de regras claras para a introdução na língua portuguesa de palavras de origem africana e, de um modo geral, de estrangeirismos, e elaboração de vocabulários de topónimos, antropónimos bíblicos e de outras origens, etc. por forma a estabilizar a forma escrita onde hoje ocorre uma espécie de babilónia gráfica. Este problema só poderá ser resolvido, muito provavelmente, com a existência de uma entidade com autoridade, no âmbito da língua portuguesa, constituída por especialistas oriundos de todos os países de língua portuguesa, criada provavelmente no âmbito da CPLP, para que todos os países se revejam nas opções que tal autoridade estipular.
– Elaboração de vocabulários ortográficos (e de dicionários com base naqueles vocabulários) de referência tanto para Portugal como, sobretudo, para o espaço global da língua portuguesa.
– Maior simplificação do uso do hífen.
Estas são, a meu ver, algumas modificações que poderiam ser introduzidas na grafia da língua portuguesa, com evidente ganho para os utentes da mesma.
Jorge Paulo
GUERRA Fernando, Os falsos argumentos de direito contra o Acordo Ortográfico, in http://www.ciberduvidas.com/
MOREIRA Vital, Heterodoxia ortográfica, in http://www.ciberduvidas.com/
CASTRO Ivo & DUARTE Inês, “Comentário do Acordo”, in Castro, Duarte & Leiria, orgs., A Demanda da Ortografia Portuguesa: Comentário do Acordo Ortográfico de 1986 e subsídios para a compreensão da Questão que se lhe seguiu, Lisboa: Sá da Costa, 1987, 13 – 89 [comentário e parecer]
No site http://www.ciberduvidas.com/ encontra-se uma grande quantidade de pareceres e artigos de opinião a respeito do acordo ortográfico.
[1] As palavras escritas entre ângulos (<>) representam a palavra escrita.